Saúde Mental https://saudemental.blogfolha.uol.com.br Informação para superar transtornos e dicas para o bem-estar da mente Tue, 14 Dec 2021 02:30:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 É possível ter um transtorno psicológico e viver bem, diz psicóloga Ana Gabriela Andriani https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/#respond Sun, 10 Oct 2021 10:00:18 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/WhatsApp-Image-2021-10-09-at-12.42.10-300x215.jpeg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1208 O que é ter saúde mental? Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), a saúde mental é um estado de equilíbrio psíquico, físico e que envolve questões sociais. Não é definida apenas pela ausência de uma doença.

A psicóloga Ana Gabriela Andriani concorda com esse conceito. “É possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização”, observa.

Andriani ressalta que todos nós, tendo ou não um diagnóstico de transtorno mental, sofremos oscilações emocionais ao longo da vida. Para evitar as crises, quando for necessário, é preciso buscar tratamento medicamentoso com um psiquiatra e fazer psicoterapia.

Ela explica que a terapia é um caminho para o autoconhecimento. “É um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.”

Neste domingo (10) é celebrado do Dia Mundial da Saúde Mental. A data foi criada em 1992 por iniciativa da Federação Mundial para Saúde Mental com o objetivo de educar e conscientizar a população sobre a importância do tema e diminuir o estigma social.

Na entrevista a seguir, a psicóloga fala sobre a ideia que temos a respeito do que é uma mente sã e sobre os impactos culturais e históricos no psicológico da sociedade.

A depressão já foi chamada de “mal do século”. Atualmente, o burnout tem sido associado à geração millennial (pessoas nascidas entre 1980 e 1995). Como você vê essa relação entre transtornos e gerações? 
Sem dúvida existe uma correlação entre o momento social e histórico e os transtornos psíquicos que são produzidos ali. Porque os transtornos psíquicos são constituídos a partir das condições de vida das pessoas, da cultura da sociedade e do que acontece ali em termos sociais. Então, por exemplo, na época do Sigmund Freud (1856-1939), que era uma época de grande repressão sexual, o transtorno mais comum, ao qual ele de dedicou a estudar, era a histeria. Em períodos pós-guerra, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), surgiam neuroses de guerra, que são caracterizadas por depressão e por grandes traumas. Hoje, num momento que a gente tem uma cultura que valoriza muito a aceleração e a alta performance, a gente vê crises de ansiedade, burnout e crises de pânico como sendo os transtornos mais vigentes.

Agora, para a gente conseguir elaborar, simbolizar o está vivendo, a gente precisa se conhecer. Saúde psíquica também tem a ver com autoconhecimento. Porque o autoconhecimento amplia a nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos e sobre o mundo, sobre as nossas relações, sobre tudo que a gente está vivendo.

Receber um diagnóstico de transtorno psicológico pode ser um baque para algumas pessoas. É possível continuar tendo uma vida feliz e equilibrada mesmo convivendo com um transtorno e tendo que tomar medicações para o resto da vida? 
Sim, é possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização.

É importante considerar que a gente vai oscilar emocionalmente ao longo da vida. Em quem tem um transtorno ou um distúrbio de personalidade também vai sofrer oscilações. Mas é possível evitar uma crise expandida ou mesmo viver crises com o uso de medicamentos receitados por um psiquiatra. Mas não só isso. Também por meio da realização de uma psicoterapia, que é um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.

É importante dizer que o remédio sozinho não vai dar conta de tornar uma pessoa mais saudável. Ele é muito importante porque traz uma estabilidade, mas é o trabalho de psicoterapia que vai propiciar à pessoa se conhecer melhor, expandir sua capacidade de pensar sobre ela mesma, sobre o que está vivendo, e é isso que vai poder transformá-la.

Com a pandemia da Covid-19, o assunto saúde mental está sendo muito debatido. Você acha que a visibilidade que o tema tem recebido tem ajudado a diminuir o estigma em relação aos transtornos psicológicos? Ou ainda temos muito caminho pela frente? 
Acredito que sim, que os assuntos relacionados à saúde mental e aos transtornos psicológicos têm sido mais divulgados. Por exemplo, neste ano e no ano passado, por conta da pandemia, falou-se bastante sobre crises de casais, sobre relações familiares, sobre burnout, crises de pânico. Vários psicólogos se disponibilizaram a fazer atendimentos gratuitos.

Acho que o tema tem sido mais debatido e as pessoas têm tido mais informações sobre isso, o que é muito bom, porque as pessoas passam a ter uma ideia de que elas não precisam só cuidar do corpo, elas precisam cuidar também da saúde mental.

Aliás, faz parte do conceito saúde esse entrelaçamento entre corpo e psique. Acredito que tanto as empresas como área do esporte, todas essas instâncias têm se voltado mais para o cuidado com a saúde mental.

Casos como o da atleta Simone Biles, que deixou de disputar algumas provas nas Olimpíadas para priorizar a saúde mental, jogam uma luz sobre a necessidade de as pessoas respeitarem seus momentos. Você acha que estamos no fim da era do “trabalhe enquanto eles dormem”? 
O que vêm mudando é que tanto as instituições como as pessoas vêm percebendo a grande necessidade de cuidar da saúde mental. Estão percebendo que essas questões relacionadas à saúde mental não podem ser deixadas de lado, porque senão a pessoa que está lá na empresa não trabalha, o atleta não tem bom desempenho, ninguém consegue ficar com uma sensação de bem-estar e viver suas vidas de forma mais saudável.

Acho que a gente vive tempos em que é exigido alta performance, alto desempenho, até uma perfeição do corpo, do trabalho, do cuidado com os filhos e uma aceleração. Tudo isso é naturalmente produtor de ansiedade. Acho que isso não vai mudar, pelo menos por enquanto. A gente vive numa sociedade com essas características.

O que eu tenho impressão que vem mudando é a necessidade de cuidado com a saúde mental atrelado ao trabalho, atrelado à alta performance e ao bom desempenho. Então, por exemplo, no esporte, vem se percebendo a necessidade de se cuidar, de saber como esse atleta está emocionalmente nas suas relações familiares, de como ele está em termos de ansiedade, e das necessidades emocionais dele para que ele consiga estar bem para desempenhar um bom trabalho. Não é que agora vai ser cuidar da saúde mental e deixar a questão do desempenho de lado. A questão, e acho que essa é a grande mudança, é que vamos cuidar das duas coisas ao mesmo tempo, o psicológico atrelado ao físico e ao trabalho, ao desempenho profissional de maneira geral.

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Saiba onde encontrar atendimento psicológico e psiquiátrico gratuito no SUS https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/02/saiba-onde-encontrar-atendimento-psicologico-e-psiquiatrico-gratuito-oferecido-pelo-sus/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/02/saiba-onde-encontrar-atendimento-psicologico-e-psiquiatrico-gratuito-oferecido-pelo-sus/#respond Sat, 02 Oct 2021 10:00:06 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/ee22cdff5c5f5569ba19caf8ae5aab0a99c079ffee6923659b9dde1b2a590389_5ae6c7e3ad434.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1157 Todos os profissionais de saúde mental enfatizam a importância de procurar atendimento psicológico ou psiquiátrico quando surgem sintomas de transtornos como depressão ou ansiedade.

No entanto, muitas pessoas não têm como pagar por esses tratamentos e também não têm um plano de saúde que cubra os custos.

No SUS (Sistema Único de Saúde), a população pode contar com os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que fazem parte da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial).

Compreendida como uma rede integrada de diferentes setores, a RAPS busca criar, diversificar e articular serviços e ações para pessoas com sofrimento mental ou com demandas decorrentes do uso de drogas. Dentre suas diretrizes estão o respeito aos direitos humanos, a garantia de autonomia das pessoas, o acesso a serviços de qualidade e o combate ao estigma e ao preconceito.

O serviço conta com atuação multiprofissional e interdisciplinar (com profissionais da medicina, enfermagem, psicologia, assistência social, terapia ocupacional, educação física, fonoaudiologia), abarcando não só o campo da saúde, mas também a assistência social, a cultura e o emprego, de modo a favorecer a inclusão social e o exercício da cidadania dos usuários dos serviços e de seus familiares.

Apesar de não ser amplamente conhecida, a RAPS estabelece que a atenção à saúde das pessoas com sofrimento psíquico deve ser realizada em todos os serviços do SUS, sem discriminação.

A rede conta com a existência de estruturas de atendimento especializadas, como os CAPS, que promovem trabalhos com focos distintos. No entanto, alguns estigmas e a falta de conhecimento sobre esses organismos dificultam o acesso a tratativas precoces e ajuda qualificada.

Esses serviços estratégicos funcionam com portas abertas, ou seja, qualquer pessoa pode ser recebida e avaliada pela equipe de saúde presente, sem a necessidade de um encaminhamento ou agendamento prévio. As ações de cuidado são diversificadas, podendo ser realizadas em grupo, individualmente, com a família ou na comunidade.

Divididos em diversas modalidades, os CAPS também variam de acordo com o porte dos municípios. Nas grandes cidades e regiões acima de 200 mil habitantes, são previstos CAPS de funcionamento 24h, como os CAPS III voltados para pessoas com sofrimento mental em geral, e os CAPS ad III, destinados principalmente para pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

Os CAPSij são direcionados para o público infanto-juvenil e podem ser implantados em municípios e regiões a partir de 70 mil habitantes. Para os municípios de médio porte (a partir de 70 mil habitantes), há os CAPS II e CAPS ad, e para os de pequeno porte (a partir de 15 mil habitantes), os CAPS I. Mais recentemente, a esta tipificação foi acrescentado o CAPS ad IV, para municípios com população acima de 500 mil habitantes ou nas capitais de estados.

Em 2002, havia 424 CAPS implantados no país, ao final de 2019, chegaram a cerca de 2.669. Uma amplitude de estrutura assistencial que não apenas existe, mas que pode e deve ser acionada por toda e qualquer pessoa que necessite de auxílio.

“Enquanto houver preconceitos e vieses subjetivos não combatidos e desmistificados, o atendimento psicossocial no Brasil será insuficiente e enviesado. Por isso, é importante termos políticas públicas cada vez mais focadas na prevenção de adoecimentos psíquicos e na promoção da saúde mental, tanto individual quanto estruturalmente, assim como o fortalecimento de outras instituições de acolhimento que possam reforçar o olhar intersetorial e abarcar a necessidade que o tema emprega sobre nós”, ressalta Maria Fernanda Resende Quartiero, diretora presidente do Instituto Cactus.

Maria Fernanda explica que a rede pública oferece opções de tratamento para os adoecimentos mentais em vários níveis de gravidade, sendo eles considerados leves, moderados ou graves.

Casos leves: incluem pessoas que estão com sintomas de transtornos como depressão, ansiedade ou síndrome do pânico, que já fizeram ou não algum tratamento psicológico ou psiquiátrico. É preciso procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde), que pode fazer o encaminhamento ao CAPS. Outros sintomas de baixo risco que também podem ser atendidos numa UBS são:
• insônia
• doenças físicas causadas por questões emocionais
• uso abusivo de álcool e outras drogas
• situação de luto

Casos moderados: o paciente pode ir a uma UBS, a um CAPS, a um AME (Ambulatório Especializado em Saúde Mental) ou mesmo um pronto-socorro psiquiátrico. Alguns sintomas de risco moderado são:
• quadros psicóticos agudos
• quadro depressivo moderado com ou sem ideação suicida
• casos de alcoolismo ou dependência química de outras drogas com sinais de abstinência leve
• histórico psiquiátrico anterior com tentativa de suicídio e/ou homicídio
• alucinações: ouvir ou ver algo que mais ninguém vê ou ouve
• delírios: ideias que não correspondem à realidade.

Casos graves: ao apresentar sintomas graves, é necessário buscar a urgência e emergência de uma UPA (Unidades de Pronto Atendimento), de pronto-socorro de qualquer hospital do SUS, de CAISM (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e hospitais psiquiátricos. Exemplos de quadros graves são:
• sintomas psicóticos com ideação suicida, quando o indivíduo não conta com uma rede de apoio que possibilite o tratamento fora do ambiente hospitalar
• percepção alterada da realidade como alucinações e delírios, sem sinais de agitação e/ou agressividade, perda do autocuidado de maneira que comprometa o dia a dia e situações de sofrimento emocional intenso em que o apoio sócio-familiar estejam ausentes
• ideação suicida, planejamento ou história anterior de tentativa de suicídio e tentativas consumadas em qualquer circunstância
• em episódio de mania (euforia), com ou sem sintomas psicóticos (percepção alterada da realidade como alucinações e delírios), associado a comportamento inadequado que oferece risco para si ou para outros
• intoxicação aguda por substâncias psicoativas (medicamentos, álcool e outras drogas);
• autoagressividade (automutilação) com risco de morte iminente
• casos com quadro de alcoolismo ou dependência química de outras drogas com sinais de agitação e/ou agressividade (para si ou para outros), com várias tentativas anteriores de tratamento fora do contexto hospitalar sem sucesso

ONDE ESTÃO?

Em maio de 2020, o instituto Vita Alere, que desenvolve projetos e pesquisas relacionados à saúde mental, lançou o Mapa da Saúde Mental, um site que mostra onde e como buscar serviços gratuitos de psicologia e psiquiatria.

A iniciativa, que teve apoio técnico do Google, traz um mapa virtual, com contatos para atendimento online, e um mapa presencial, com endereços de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), CAISM (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental ), hospitais psiquiátricos, ONGs e clínicas de faculdades.

O site também indica o atendimento de acordo com o tipo de paciente: para o público em geral, para profissionais da saúde e para grupos específicos, como pessoas que perderam parentes e amigos por Covid-19idososgestantes e adolescentes.

Para facilitar qual tipo de ajuda buscar, o site tem um guia que explica como funciona o tratamento com um psicólogo, o que faz um psiquiatra, em quais situações se deve procurar um hospital psiquiátrico, por exemplo.

Encontre os endereços em mapasaudemental.com.br.

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Campanha Janeiro Branco ressalta a importância dos cuidados com a saúde mental em meio à pandemia https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/06/campanha-janeiro-branco-ressalta-a-importancia-dos-cuidados-com-a-saude-mental-em-meio-a-pandemia/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/01/06/campanha-janeiro-branco-ressalta-a-importancia-dos-cuidados-com-a-saude-mental-em-meio-a-pandemia/#respond Wed, 06 Jan 2021 10:00:28 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/f806d4133febbe0a76234fc29fc1ecfd70de43c0348a51445530efb676b71011_5eed60b500450-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=546 Com os impactos que a pandemia da Covid-19 tem provocado na saúde mental, como o aumento de sintomas depressivos e de ansiedade, a campanha Janeiro Branco deste ano traz a mensagem de que todo cuidado conta.

Criado em 2014 pelo psicólogo Leonardo Abrahão, o movimento tem como objetivo chamar a atenção da população para a importância dos cuidados com a saúde emocional.

Apesar de o debate sobre o tema ter ganhado mais espaço nos últimos meses devido aos desafios impostos pelas condições do isolamento social, Leonardo diz que ainda estamos longe de superar os estigmas em relação aos transtornos psicológicos.

“No entanto, em 2020, não houve quem não tenha sofrido com tudo o que aconteceu no mundo. Isso, com certeza, atrairá a nossa atenção para o que deve ser melhor conduzido em nossas vidas particulares e coletivas, inclusive em relação à saúde mental”, ressalta o psicólogo.

“Toda vez que a dor chega à humanidade, a humanidade se coloca a pensar sobre si mesma, sobre suas condições de existência, suas escolhas, seus acertos e seus erros em relação aos mais variados assuntos. Isso, obviamente, contribui para o lançamento de luzes sobre questões normalmente desprezadas ou encobertas por tabus”, observa.

Para respeitar as regras de distanciamento, nesta edição do Janeiro Branco não haverá palestras e rodas de conversa em lugares públicos, como nos anos anteriores. Os eventos serão feitos por lives e postagens nas redes sociais e no site da campanha.

Leia abaixo a entrevista com o psicólogo.

Com a pandemia, o ano de 2020 foi o que mais se falou em saúde mental. Você acha que esse debate ajudou as pessoas a se educarem sobre tema e a diminuir o estigma em relação aos transtornos mentais? 
Ainda não. Os estigmas ainda existem e existirão por um bom tempo. Infelizmente, a falta de uma cultura da saúde mental no mundo ainda deixará espaço para muitos preconceitos continuarem persistindo em meio aos relacionamentos humanos. É também contra isso que a campanha Janeiro Branco luta.

Porém, pelo fato de os desafios que a humanidade enfrentou no ano passado terem produzido intensas consequências prejudiciais à saúde mental de um número incalculável de pessoas, as dores que essas pessoas sentiram também as levarão a pensar sobre a importância da saúde mental em suas vidas.

Toda vez que a dor chega à humanidade, a humanidade se coloca a pensar sobre si mesma, sobre suas condições de existência, suas escolhas, seus acertos e seus erros em relação aos mais variados assuntos. Isso, obviamente, contribui para o lançamento de luzes sobre questões normalmente desprezadas ou encobertas por tabus.

Em 2020, a humanidade foi obrigada a pensar, de forma bastante ampliada, sobre questões direta e indiretamente ligadas à saúde mental dos indivíduos, como, por exemplo, educação infantil longe das escolas, lares transformados em ambiente de trabalho, vida sexual em tempos de isolamento social, distanciamento dos idosos, risco de desemprego, lutos inesperados, inconsequências políticas e falta de recursos financeiros para a sustentação da vida material.

Tudo isso diz respeito às múltiplas dimensões em que a saúde mental dos indivíduos opera. Os antigos estigmas relacionados à saúde mental dos seres humanos ainda persistirão por um bom tempo. Ainda vamos precisar de muitos janeiros brancos para melhorias nesse campo.

No entanto, em 2020, não houve quem não tenha sofrido com tudo o que aconteceu no mundo. Isso, com certeza, atrairá a nossa atenção para o que deve ser melhor conduzido em nossas vidas particulares e coletivas, inclusive em relação à saúde mental.

O debate sobre a importância de cuidar da saúde mental já chegou às empresas em relação aos seus funcionários? 
Não, ainda é um desafio e necessitaremos de muitos janeiros brancos para que uma verdadeira cultura da saúde mental permeie todas as relações humanas. Ainda estamos no início do processo de conscientização das pessoas e das instituições a respeito de tudo o que se relaciona às condições psicológicas e subjetivas dos indivíduos.

Além disso, as lógicas e as ideologias dos nossos sistemas sociais, culturais, produtivos e econômicos ainda são bastante compromissadas com imperativos materialistas, financistas, competitivos, particulares e individualistas indiferentes à saúde mental da maioria das pessoas em nossa sociedade, que é profundamente ignorante em relação às condições psicodinâmicas dos seres humanos.

O nosso analfabetismo emocional e o nosso desprezo à psicoeducação ainda cobra um preço muito alto da humanidade e até mesmo das empresas que não olham para as realidades subjetivas dos indivíduos que as compõem, que as operam e as sustentam.

O Ministério da Saúde anunciou que deve revogar uma série de portarias que estruturam a política de saúde mental no país. Entre as propostas, está o fim do programa de Volta para Casa, que promove a reinserção social de pacientes com transtornos mentais, e mudanças no atendimento dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), como a extinção daqueles voltados exclusivamente a usuários de drogas e álcool. De que forma essas medidas podem prejudicar a área de saúde mental no atendimento público?   
Caso venham a ser adotadas, essas medidas estarão na contramão de tudo o que diz respeito ao processo humanizatório e ao perfil democrático, social e progressista com que a política nacional de saúde mental vem sendo construída desde o início do período de redemocratização do nosso país e da eclosão das lutas antimanicomiais que a consubstanciaram.

A arbitrária substituição de uma visão holística, integrativa, humanista, multiprofissional e interdisciplinar de serviços psicossociais por uma visão medicalizante, privatista, individualista, psiquiatralizante e hospitalocêntrica agredirá valorosos princípios epistemológicos, metodológicos e estruturantes do SUS (Sistema Único de Saúde), assim como acabará resultando em sérios retrocessos a modelos excludentes e questionáveis de atendimento em saúde mental que a reforma psiquiátrica brasileira há muito tempo superou.

A educação sobre saúde mental e a diminuição do estigma em relação aos transtornos podem ser alguns dos resultados positivos que poderemos tirar desse período de pandemia? 
Esses resultados positivos desabrocharão no futuro. Os desafios que a humanidade viu-se obrigada a olhar com mais atenção em 2020 apenas começaram a mostrar a extensão, a seriedade e a profundidade das múltiplas ignorâncias e das inconsequências que ela possuía em relação a si mesma –como, por exemplo, o fato de não conseguir parar atividades econômicas mesmo em nome da proteção da vida de milhares de pessoas.

O que a humanidade já possui acumulado em termos econômicos seria suficiente para proteger todas as pessoas do mundo obrigadas ao isolamento social. O que falta é vontade política por parte de poderosos grupos de indivíduos obsessivamente insaciáveis e uma cultura da saúde mental capaz de proteger o mundo das sombras e do desequilíbrio egocentrado desses mesmos indivíduos.

No futuro, 2020 será chamado de ano-lupa, ano-luneta ou ano-microscópio: ele escancarou e revelou novas e velhas verdades absurdamente negadas por um número absurdo de pessoas cientes de que são pertencentes a uma espécie caracterizada por racionalidade, consciência e senciência, que é a espécie Homo sapiens.

Como a pandemia tem impactado a saúde mental da população? 
Muito do impacto da pandemia na saúde mental é absolutamente compreensível, normal e esperado. É normal sentir medo, ansiedade, alteração no apetite, tendência ao autoisolamento, humor deprimido, insônia eventual perante situações de estresse, angústia ou incertezas.

Há quem tenha começado a sentir dores inéditas no corpo, há que tenha percebido aumento na própria agressividade em relação a pessoas próximas. Também há pessoas que não conseguem mais enxergar sentido no casamento, no trabalho ou na religião que seguem. Essas são possibilidades absolutamente razoáveis e pertinentes em tempos como os que estamos vivendo.

O problema é quando as reações, por mais naturais e previsíveis que possam ser, começam a gerar sofrimentos intermináveis, perigo aos indivíduos e desfuncionalidades pessoais ou sociais. Nesses casos, a procura de ajuda profissional é altamente recomendada.

Quando sairmos dessa pandemia, quais sintomas devem ser os mais sentidos?
Seres humanos são infinitos particulares e universos irrepetíveis. Porém, a experiência nos mostra que a pandemia têm relação a muitas circunstâncias ligadas à origem de transtornos mentais como, por exemplo, transtorno do estresse pós-traumático, fobia social ou transtornos obsessivos compulsivos (TOC).

Em paralelo à pandemia da Covid-19 já é possível perceber a ocorrência de uma verdadeira pandemia em relação à saúde mental. Estudos já apontam aumento nos casos de depressão, de transtornos de ansiedade, de uso abusivo de substâncias psicoativas, de abuso infantil, de violência doméstica e de suicídios. Mais do que nunca, a mensagem da campanha Janeiro Branco é útil, necessária e pertinente.

Como se preparar emocionalmente para este ano que ainda deve exigir restrições como distanciamento social? 
Em palestras, entrevistas e reuniões virtuais tenho defendido a tese de que as pessoas precisam abraçar o pacto pela saúde mental que o Janeiro Branco está propondo. Isso dará a elas a chance de contribuírem para uma causa coletiva e universal, proporcionando-lhes sentimentos de responsabilidade social, utilidade pública, propósito, autocuidado e pertencimento.

As pessoas devem entender que nós, seres humanos, somos seres da comunicação orientados por sentidos que damos às nossas próprias vidas. Como dizia Nietzsche e Viktor Frank, quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como.

Mais do que nunca, é preciso que as pessoas invistam em autoconhecimento, autonomia e autoestima, tornando-se, metaforicamente falando, árvores com raízes mais fortes e capazes de resistir às inevitáveis intempéries do tempo.

Também é importante que as pessoas recorram a técnicas amplamente validadas quando o assunto é prevenção em saúde mental, como ioga, meditação, mindfulness, exercícios físicos regulares, sono regular, alimentação saudável, hábitos culturais que estimulem a criatividade e a cognição, vida sexual sincera e saudável, vínculos sociais reais e profundos, bom senso nas relações sociais e práticas espirituais harmônicas e equilibradas.

Por fim, é necessário que sejamos um país mais justo, mais igualitário e mais garantidor dos direitos sociais e dos direitos humanos. Não há campo fértil para a saúde mental onde reinam misérias sociais, violências (concretas ou simbólicas) nas relações interpessoais e más intenções políticas nos processos individuais e coletivos.

JANEIRO BRANCO
Acompanhe os eventos no Instagram (@janeirobranco), no Facebook, no YouTube e no site da campanha.

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Debate sobre saúde mental deve ir além dos transtornos, diz criador da campanha Janeiro Branco https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/debate-sobre-saude-mental-deve-ir-alem-dos-transtornos-diz-criador-da-campanha-janeiro-branco/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/01/16/debate-sobre-saude-mental-deve-ir-alem-dos-transtornos-diz-criador-da-campanha-janeiro-branco/#respond Thu, 16 Jan 2020 10:00:38 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/jan8-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=64 A depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, são 11,5 milhões de depressivos –5,8% da população. Esses são os dados mais recentes divulgados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2017.

Quanto aos transtornos de ansiedade, como síndrome do pânico, fobias e estresse pós-traumático, 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o problema.

Para a OMS, no entanto, a saúde mental não é definida apenas pela ausência dessas doenças. É um estado de equilíbrio psíquico, físico e que envolve questões sociais.

É dessa forma também que pensa o psicólogo Leonardo Abrahão, idealizador da campanha Janeiro Branco, que tem como objetivo chamar a atenção da população para o tema.

A campanha foi criada em 2014 e promove ações como palestras, rodas de conversa e distribuição de folhetos informativos em todo o país.

“O objeto da campanha é a saúde mental. Com uma visão ampla que não é focada só na doença. Porque esse é um grande paradigma que a gente tem que romper. As pessoas pensam que saúde mental é doença. E saúde mental não é somente isso. As doenças, os transtornos mentais, são subconjuntos desse conjunto maior que é a saúde mental. Saúde mental vai muito além dos transtornos. Essa é a visão moderna do conceito de saúde mental”, explica Leonardo.

“Nós precisamos começar a falar sobre saúde mental com uma perspectiva que extrapole o paradigma da doença. Que passe por isso também, que ajude as pessoas a entenderem os transtornos, mas que também as ajude a olharem para dentro de si, a ter autoconhecimento, autonomia e autocontrole”, afirma.

A inspiração para a criação do Janeiro Branco veio com a existência de outras campanhas bem-sucedidas, como o Outubro Rosa (que foca o câncer de mama), e após ler o livro “Em Busca de Sentido”, do psiquiatra austríaco Viktor Frankl (1905-1997).

Na obra, Frankl, que era judeu, descreve sua experiência quando ficou preso durante a Segunda Guerra Mundial em um campo de concentração nazista e fala sobre a importância de encontrar um propósito para viver, mesmo em situações extremas.

“Frankl é o pai da logoterapia, que é um tipo de terapia que trabalha a questão de sentido na existência humana”, diz Leonardo.

Com esse conceito de bem-estar em mente, a ideia de incentivar a população a cuidar da saúde mental surgiu durante uma campanha do Novembro Azul (voltada para o câncer de próstata), em 2013.

“Percebi que não havia uma campanha para a saúde mental, convidando as pessoas a pensarem sobre o tema, sobre propósitos de vida, sentido de vida e qualidade emocional de relacionamentos”, revela.

Janeiro foi escolhido para aproveitar a virada simbólica do Réveillon e do primeiro mês do ano, quando as pessoas costumam fazer planos para o futuro.

“É uma ideia simbólica de virada de ciclos. Para fazer uma pausa, dar uma respirada e pensar sobre si mesmo”, conta.

A primeira campanha aconteceu em 2014, em Uberlândia, Minas Gerais, cidade onde Leonardo mora.

Desde então, o Janeiro Branco se espalhou por várias cidades do país com a ajuda de voluntários, psicólogos e psiquiatras.

“Em janeiro de 2015, um vereador de Campinas propôs que o Janeiro Branco virasse lei, inspirando ações municipais para apoiar iniciativas.

Capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Maceió e estados como Pernambuco e Rio Grande do Sul também já estabeleceram a campanha como leis municipais e estaduais, respectivamente.

“É um processo de reconhecimento e legitimação da campanha. Estamos a caminho da lei federal também. O Brasil ainda vai ser conhecido como o berço da maior campanha que existe em prol da construção de uma cultura da saúde mental, assim como os Estados Unidos é o berço do Outubro Rosa”, diz Leonardo.

Janeiro Branco
Para saber quando as ações acontecerão na sua cidade, clique aqui e acesse o site da campanha ou acompanhe pelo perfil no Instagram (@janeirobranco) e no Facebook.

 

 

 

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