BBB traz à tona debate sobre abuso psicológico; especialista explica esse tipo de relacionamento

O comportamento dos participantes do Big Brother Brasil,  reality show da Rede Globo, trouxe à tona o debate sobre abuso psicológico.

A conduta é caracterizada pelo exercício de poder do abusador sobre o abusado de uma maneira perversa, com ameaças, humilhação e desqualificação do outro, explica a psicóloga Ana Gabriela Andriani.

“O abuso psicológico pode ocorrer em diversos tipos de ambientes e relacionamentos, como no trabalho, em relações amorosas, no âmbito familiar e mesmo entre amigos”, diz Andriani.

Leia a entrevista com a psicóloga.

O que é o abuso psicológico? 
O abuso psicológico ocorre em uma relação caraterizada pelo exercício de poder do abusador sobre o abusado de uma maneira perversa, ou seja, com diversos tipos de ameaça, como a ameaça de rejeição, a ameaça de ser demitido –quando ocorre no ambiente de trabalho– ameaça de perder o amor, além de controle, domínio, exploração afetiva, humilhação e uma desqualificação do outro.

Essa situação pode ocorrer em vários ambientes e diferentes relacionamentos, como em uma relação amorosa, numa amizade, entre pais e filhos e no trabalho.

Nesse cenário de abuso, o abusado tem que se submeter ao domínio do outro e sempre fica com a sensação de que nunca o que tem para dar ao abusador é suficiente, é sempre pouco.

No trabalho, esse jogo de dominação ocorre quando o funcionário sente a necessidade de atender todas as demandas do chefe e se sente incapaz, duvidando da sua própria competência. Nesse caso, o abuso pode ser caracterizado por assédio moral e o profissional pode sofrer de burnout.

É importante a gente destacar os perfis de pessoas que se envolvem nessa relação de abuso. O abusador tem um perfil narcisista, que é uma pessoa que tem necessidade de receber admiração e reconhecimento. O abusador narcisista vai agir de forma para atender seus desejos. Ele não se coloca no lugar do outro, não tem empatia, não sente culpa. Pelo contrário, para ele o outro que é culpado pelos erros na relação.

O extremo desse perfil é o psicopata, que é um transtorno de personalidade. No caso do psicopata, ele nunca vai reconhecer seus erros, nunca vai achar que está errado. Se algum dia ele procurar ajuda de um psicólogo, por exemplo, vai ser por pressão e para entender a situação em que se encontra e dominá-la melhor. Ele não reconhece que está errado nunca.

Mas a psicopatia é o extremo desse perfil. Nem todo narcisista é um psicopata, embora os dois sejam abusadores. O narcisista, em algum momento, pode reconhecer seus erros e buscar ajuda de um terapeuta sinceramente, com o objetivo de mudar. Geralmente, o abusador narcisista foi vítima de algum tipo de abuso na infância ou em outros relacionamentos e desenvolve essa maneira de ser relacionar com os outros.

De qualquer forma, o abusador não aceita o diferente, só vale a opinião dele. Ele precisa se sentir único. Quando ele entra na relação, não se demonstra agressivo logo de cara. No início é sedutor e acaba se tornando uma referência para o abusado.

Já o abusado costuma ter uma personalidade mais insegura e, num primeiro momento, sente-se protegido e valorizado pelo abusador. Ao logo do relacionamento –porque, é importante dizer, os relacionamentos abusivos costumam ser longos–, a vida da vítima vai girando ao redor do seu abusador. Ela vai perdendo sua personalidade, pois faz e obedece tudo o que o abusador manda.

Mesmo antes de entrar no relacionamento abusivo, a vítima já costuma ter uma personalidade mais frágil emocionalmente, é insegura, vulnerável e muitas vezes solitária. É uma pessoa que nunca teve um relacionamento anterior, então não tem parâmetro do que é um relacionamento saudável. Ou também é alguém que já sofreu abuso na infância e reconhece a humilhação e a cobrança como amor.

Os abusos psicológicos podem ser explícitos, com xingamentos e humilhações, ou podem acontecer de forma velada, com o silêncio como uma forma de punição ou uma ironia mais sutil, por exemplo.

Quais são as consequências do abuso para a vítima? 
Essa pessoa vai ficando cada vez mais solitária, vai abrindo mão das outras relações para se dedicar somente ao abusador. Ela vai desenvolvendo um sentimento de inferioridade e fica cada vez mais insegura e dependente do outro.

A autoestima é muito abalada e ela sente uma dificuldade muito grande de sair desse relacionamento. E até mesmo de reconhecer esse relacionamento como abusivo. Por isso, essas relações costumam ser duradoras. E quanto mais longo é o relacionamento, mais a vítima vai perdendo sua personalidade.

E também é importante frisar que é o relacionamento abusivo é de dependência mútua. Como na dialética do senhor e do escravo de Friedrich Hegel, a existência de um depende da existência do outro.

O abuso pode gerar depressão e transtornos de ansiedade, como a síndrome do pânico. Também é possível que, com a depressão, ocorram doenças psicossomáticas, que são aquelas causadas por problemas emocionais do indivíduo. Podem ser dores musculares, enxaquecas e fibromialgia, por exemplo.

Como sair dessa relação de abuso?
Isso costuma acontecer quando a vítima já desenvolveu sintomas de depressão e ansiedade e vai buscar ajuda de um profissional de saúde mental. Ela vai pela depressão e, na terapia, se dá conta de que está em um relacionamento abusivo.

O abusado começa a perceber o sofrimento dele e que está perdendo sua identidade, que não age mais como agia antigamente, que não vê mais alegria nas coisas que via antes.

Às vezes, a vítima está se sentindo muito angustiada e começa a se abrir com amigos e familiares e é alertada de que está em um relacionamento abusivo.

O resgate da autoestima da vítima será trabalhado na terapia.

O abusador também deve procurar ajuda psicológica. Ele pode reconhecer seus erros e aprender que há outras formas de se relacionar com as pessoas. É comum que esse abusador seja uma pessoa de autoestima muito baixa e que também foi vítima de abuso em algum momento da vida.