Saúde Mental https://saudemental.blogfolha.uol.com.br Informação para superar transtornos e dicas para o bem-estar da mente Tue, 14 Dec 2021 02:30:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Com MC Soffia e Valentina Schulz, série no YouTube aborda saúde mental de crianças e adolescentes https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/com-mc-soffia-e-valentina-schulz-serie-no-youtube-aborda-saude-mental-de-criancas-e-adolescentes/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/com-mc-soffia-e-valentina-schulz-serie-no-youtube-aborda-saude-mental-de-criancas-e-adolescentes/#respond Fri, 05 Nov 2021 10:00:06 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/WhatsApp-Image-2021-11-04-at-22.49.36-300x215.jpeg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1285 “A crise de ansiedade é quando uma caixa de som dá microfonia. Dá aquele barulho chato, ensurdecedor. É isso. Quando a caixa estoura, é a crise.” O exemplo é de Júlia Katula, 17, estudante entrevistada na websérie “Vc tbem sente?”.

O programa faz parte do Saúde da Infância, canal no YouTube da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, mantenedora do Hospital Infantil Sabará.

São sete episódios, com cerca de dez minutos cada um, apresentados pela rapper MC Soffia, 17, e pela youtuber Valentina Schulz, 18. Elas conversam sobre saúde mental com outros adolescentes e abordam temas como ansiedade, depressãobullying e suicídio.

O primeiro capítulo estreou na quarta-feira (3) e teve a participação da psicanalista Tide Setúbal, que explica a diferença entre sentir medo, ansiedade e ataques de pânico.

Os próximos episódios vão ao ar semanalmente, sempre às quartas-feiras, ao meio-dia.

O Saúde da Infância existe desde 2019 e é uma iniciativa da fundação para tratar exclusivamente sobre temas relacionados a crianças, com a chancela da maior instituição da área no país.

A assinatura da websérie é da Plano Astral Filmes, produtora da cineasta Cecilia Engels, que se dedica a projetos com propósito educacional, cultural e com potencial de transformação social.

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
É possível ter um transtorno psicológico e viver bem, diz psicóloga Ana Gabriela Andriani https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/#respond Sun, 10 Oct 2021 10:00:18 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/WhatsApp-Image-2021-10-09-at-12.42.10-300x215.jpeg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1208 O que é ter saúde mental? Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), a saúde mental é um estado de equilíbrio psíquico, físico e que envolve questões sociais. Não é definida apenas pela ausência de uma doença.

A psicóloga Ana Gabriela Andriani concorda com esse conceito. “É possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização”, observa.

Andriani ressalta que todos nós, tendo ou não um diagnóstico de transtorno mental, sofremos oscilações emocionais ao longo da vida. Para evitar as crises, quando for necessário, é preciso buscar tratamento medicamentoso com um psiquiatra e fazer psicoterapia.

Ela explica que a terapia é um caminho para o autoconhecimento. “É um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.”

Neste domingo (10) é celebrado do Dia Mundial da Saúde Mental. A data foi criada em 1992 por iniciativa da Federação Mundial para Saúde Mental com o objetivo de educar e conscientizar a população sobre a importância do tema e diminuir o estigma social.

Na entrevista a seguir, a psicóloga fala sobre a ideia que temos a respeito do que é uma mente sã e sobre os impactos culturais e históricos no psicológico da sociedade.

A depressão já foi chamada de “mal do século”. Atualmente, o burnout tem sido associado à geração millennial (pessoas nascidas entre 1980 e 1995). Como você vê essa relação entre transtornos e gerações? 
Sem dúvida existe uma correlação entre o momento social e histórico e os transtornos psíquicos que são produzidos ali. Porque os transtornos psíquicos são constituídos a partir das condições de vida das pessoas, da cultura da sociedade e do que acontece ali em termos sociais. Então, por exemplo, na época do Sigmund Freud (1856-1939), que era uma época de grande repressão sexual, o transtorno mais comum, ao qual ele de dedicou a estudar, era a histeria. Em períodos pós-guerra, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), surgiam neuroses de guerra, que são caracterizadas por depressão e por grandes traumas. Hoje, num momento que a gente tem uma cultura que valoriza muito a aceleração e a alta performance, a gente vê crises de ansiedade, burnout e crises de pânico como sendo os transtornos mais vigentes.

Agora, para a gente conseguir elaborar, simbolizar o está vivendo, a gente precisa se conhecer. Saúde psíquica também tem a ver com autoconhecimento. Porque o autoconhecimento amplia a nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos e sobre o mundo, sobre as nossas relações, sobre tudo que a gente está vivendo.

Receber um diagnóstico de transtorno psicológico pode ser um baque para algumas pessoas. É possível continuar tendo uma vida feliz e equilibrada mesmo convivendo com um transtorno e tendo que tomar medicações para o resto da vida? 
Sim, é possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização.

É importante considerar que a gente vai oscilar emocionalmente ao longo da vida. Em quem tem um transtorno ou um distúrbio de personalidade também vai sofrer oscilações. Mas é possível evitar uma crise expandida ou mesmo viver crises com o uso de medicamentos receitados por um psiquiatra. Mas não só isso. Também por meio da realização de uma psicoterapia, que é um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.

É importante dizer que o remédio sozinho não vai dar conta de tornar uma pessoa mais saudável. Ele é muito importante porque traz uma estabilidade, mas é o trabalho de psicoterapia que vai propiciar à pessoa se conhecer melhor, expandir sua capacidade de pensar sobre ela mesma, sobre o que está vivendo, e é isso que vai poder transformá-la.

Com a pandemia da Covid-19, o assunto saúde mental está sendo muito debatido. Você acha que a visibilidade que o tema tem recebido tem ajudado a diminuir o estigma em relação aos transtornos psicológicos? Ou ainda temos muito caminho pela frente? 
Acredito que sim, que os assuntos relacionados à saúde mental e aos transtornos psicológicos têm sido mais divulgados. Por exemplo, neste ano e no ano passado, por conta da pandemia, falou-se bastante sobre crises de casais, sobre relações familiares, sobre burnout, crises de pânico. Vários psicólogos se disponibilizaram a fazer atendimentos gratuitos.

Acho que o tema tem sido mais debatido e as pessoas têm tido mais informações sobre isso, o que é muito bom, porque as pessoas passam a ter uma ideia de que elas não precisam só cuidar do corpo, elas precisam cuidar também da saúde mental.

Aliás, faz parte do conceito saúde esse entrelaçamento entre corpo e psique. Acredito que tanto as empresas como área do esporte, todas essas instâncias têm se voltado mais para o cuidado com a saúde mental.

Casos como o da atleta Simone Biles, que deixou de disputar algumas provas nas Olimpíadas para priorizar a saúde mental, jogam uma luz sobre a necessidade de as pessoas respeitarem seus momentos. Você acha que estamos no fim da era do “trabalhe enquanto eles dormem”? 
O que vêm mudando é que tanto as instituições como as pessoas vêm percebendo a grande necessidade de cuidar da saúde mental. Estão percebendo que essas questões relacionadas à saúde mental não podem ser deixadas de lado, porque senão a pessoa que está lá na empresa não trabalha, o atleta não tem bom desempenho, ninguém consegue ficar com uma sensação de bem-estar e viver suas vidas de forma mais saudável.

Acho que a gente vive tempos em que é exigido alta performance, alto desempenho, até uma perfeição do corpo, do trabalho, do cuidado com os filhos e uma aceleração. Tudo isso é naturalmente produtor de ansiedade. Acho que isso não vai mudar, pelo menos por enquanto. A gente vive numa sociedade com essas características.

O que eu tenho impressão que vem mudando é a necessidade de cuidado com a saúde mental atrelado ao trabalho, atrelado à alta performance e ao bom desempenho. Então, por exemplo, no esporte, vem se percebendo a necessidade de se cuidar, de saber como esse atleta está emocionalmente nas suas relações familiares, de como ele está em termos de ansiedade, e das necessidades emocionais dele para que ele consiga estar bem para desempenhar um bom trabalho. Não é que agora vai ser cuidar da saúde mental e deixar a questão do desempenho de lado. A questão, e acho que essa é a grande mudança, é que vamos cuidar das duas coisas ao mesmo tempo, o psicológico atrelado ao físico e ao trabalho, ao desempenho profissional de maneira geral.

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Dia da Saúde Mental: Clubhouse terá maratona de bate-papo sobre o tema neste domingo https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/dia-da-saude-mental-clubhouse-tera-maratona-de-bate-papo-sobre-o-tema-neste-domingo/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/dia-da-saude-mental-clubhouse-tera-maratona-de-bate-papo-sobre-o-tema-neste-domingo/#respond Sun, 10 Oct 2021 04:00:59 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/1553110458bdf90922b02eaaf9b53a4e6e915ffdabaff7648aa1665f4f530952_609994fe4e370-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1215 Para celebrar o Dia da Saúde Mental, comemorado neste domingo (10), o aplicativo Clubhouse terá uma programação com mais de 19 horas de bate-papo sobre o tema “Saúde Mental em um Mundo Desigual”.

A plataforma social de áudio hospedará a sala Mental Health Matters Club, organizada pela americana Nidhi Tewari, assistente social e terapeuta.

O evento começa às 4h e só termina às 23h30 (horários de Brasília). Ao longo do dia, serão discutidos tópicos como saúde mental durante a pandemia da Covid-19, ioga e meditação, a importância do amor próprio e bem-estar no trabalho.

Com participantes do mundo todo, os brasileiros terão seu espaço das 17h30 às 19h, quando a sala será ocupada pelo o músico Tico Santa Cruz, os psiquiatras Elisa Brietzke e Alexandre Henrique, a produtora de conteúdo Carol Maglio, a comunicadora digital Dandara Pagu e o psicólogo Felipe S. Gonçalves. Eles vão falar sobre o impacto das redes sociais na saúde mental, a relação com o corpo, estigmas e vivências.

Veja alguns destaques da programação (horários de Brasília)

– Japão, 4h 
Participantes: Dr. Sidow (psiquiatra, youtuber), Minami Yamamoto (psiquiatra), Tomoya Fujino (psiquiatra do Hospital da Universidade Médica de Aichi/Japão) e Takuya Oka (psiquiatra infantil, diretor e fundador da empresa Projeto Kakemichi)

– Indonésia, 7h
Participantes: Adjie Santosoputro (praticante de mindfulness), Detty Wulandari (cofundador do clube “Mental Health Indonesia”, no Clubhouse), Widya S. Sari (psicólogo) e David Irianto (cofundador do Greatmind Indonésia)

– Alemanha, 8h30
Participantes: Michael Thiel (psicólogo), Lan Gottinger (médico) e Sven Briken (psiquiatra)

– Índia, 10h
Participantes: Shyam Bhat (psiquiatra e especialista em medicina integrativa) e Bawari Basanti (Mahima, cantor/artista)

– Itália, 11h30
Participantes: Alessandro Bertirotti (escritor e antropologista), Laura Merli Lavagna (doutora em saúde mental), Serenella D’Ercole (life coach e pesquisadora espiritual), Giovanna D’Alessio (escritora) e Gabriele Isman (jornalista)

– Inglaterra, 14h30
Participantes: Sophia May (fundadora do Mendable App), Patrick Hill (diretor do Mendable App) e Nick Wilson (ex-veterano do Exército e especialista em saúde mental)

– Nigéria, 16h
Participantes: Betty Abang (moderadora), Victor Ugo (fundador do Mentally Aware Nigeria), Adenike Oyetunde (funcionária da administração de segurança social do governo de Lagos) e Sheifunmi Nomia Yusuf (cofundador do projeto Get Naked de conscientização sobre saúde mental)

– Brasil, 17h30
Participantes: Tico Santa Cruz (músico), Elisa Brietzke (psiquiatra), Alexandre Henrique (psiquiatra), Carol Maglio (produtora de conteúdo), Dandara Pagu (comunicadora digital) e Felipe S. Gonçalves (psicólogo)

– México, 22h
Participantes: Mariana Martinez (psicóloga, fundadora e diretora da Tu Mente Sana) e Anahi Pineda (psicóloga especializada em crianças, adolescentes e jovens)

– Canadá, 23h30
Participantes: Mohit Arora (influenciador de música, saúde e justiça social), Miali Coley-Sudlovenick (escritora) e Aishah Auks (coordenadora da organização Black Mental Health Connections)

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
‘Dez Dias num Hospício’, de Nellie Bly, mostra negligência e desrespeito com a saúde mental que duram até hoje https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/31/dez-dias-num-hospicio-de-nellie-bly-mostra-negligencia-e-desrespeito-com-a-saude-mental-que-duram-ate-hoje/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/08/31/dez-dias-num-hospicio-de-nellie-bly-mostra-negligencia-e-desrespeito-com-a-saude-mental-que-duram-ate-hoje/#respond Tue, 31 Aug 2021 10:00:04 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/juqueri-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=992 “Bem, é melhor você não esperar nenhuma gentileza aqui, porque você não vai receber.” A frase foi dita por uma enfermeira do Hospício de Alienados de Blackwell’s Island a Nellie Bly, uma jornalista que, em 1887, fingiu ser louca para conseguir se internar no local e fazer uma série de reportagens sobre como os internos eram tratados lá.

Era a primeira noite de Nellie na instituição, mas ela já havia passado por um exame médico estapafúrdio –no qual um médico e essa mesma enfermeira ficavam se paquerando e mal lhe davam atenção–, jantado pão com manteiga rançosa e cinco ameixas secas, tomado um banho gelado –na mesma banheira em que outras mulheres também se lavaram, sem trocar a água— e vestido uma camisola com o corpo ainda úmido.

Quando ouviu a resposta ríspida da senhorita Grupe –a enfermeira–, Nellie estava apenas pedindo uma roupa seca. Era fim de setembro em Nova York. “As pacientes estavam azuladas de tanto frio”, escreveu no texto que seria publicado no jornal New York World.

Posteriormente, as reportagens se transformaram no livro “Dez Dias num Hospício”, que agora é reeditado pela editora Fósforo, com prefácio da jornalista da Folha Patrícia Campos Mello e tradução de Ana Guadalupe.

Os relatos de Nellie denunciam um sistema falho que se estendeu até o século 20 e só começou a ser desmantelado com a reforma psiquiátrica, a partir dos anos 1970. Ela não tinha nenhum transtorno mental, mas foi examinada por vários médicos que atestaram sua insanidade. “Quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam”, diz.

A jornalista também conta histórias de outras mulheres que foram internadas junto com ela e que pareciam tão sãs quanto, inclusive uma alemã, a senhora Louise Schanz, que não sabia falar inglês e foi encaminhada ao internato pelo próprio filho. Muitas pacientes que se comportavam normalmente haviam sido deixadas lá por maridos e familiares, talvez como uma maneira de se livrarem delas.

Assim como ocorreu em outros hospitais psiquiátricos no mundo todo –no Brasil, os casos mais famosos são os do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais, que deu origem ao livro “Holocausto Brasileiro“, de Daniela Arbex (editora Intrínseca), e do Complexo Hospitalar do Juquery, em Franco da Rocha (SP), cuja história é contada em “Cinzas do Juquery”, de Daniel Navarro Sonim e José da Conceição (editora Noir)–, o Blackwell’s Island era um depósito de gente. Nas palavras de Nellie, “uma ratoeira humana; é fácil entrar, mas, uma vez lá, é impossível sair”.

As internas eram vítimas de negligência médica, maus-tratos, tortura e sadismo por parte dos profissionais de saúde. Elas eram agredidas pelas enfermeiras e sofriam ameaças se tentassem contar qualquer desses episódios aos médicos. Estes, por sua vez, não lhes davam atenção e diziam que suas queixas eram delírios.

Além de viverem constantemente com medo de apanhar e com fome –às vezes era servida comida estragada–, as pacientes eram encarregadas da faxina do ambiente. No tempo livre, as que estavam na mesma ala que Nellie eram obrigadas a ficar sentadas eretas em um banco, sem poder mudar de posição, das 6h às 20h. “À exceção da tortura, que tratamento levaria uma pessoa à loucura com mais rapidez? Aquele era mesmo um grupo de mulheres internadas para serem curadas?”, questiona a autora.

De fato, não era feito nenhum esforço para que essas internas fossem tratadas. Nellie cita o uso de morfina (opioide) e cloral (hipnótico), mas o surgimento dos psicofármacos só aconteceria na década de 1950. A eletroconvulsoterapia, que ainda é utilizada em casos específicos, e intervenções absurdas como a lobotomia foram desenvolvidas em 1930.

No Blackwell’s Island e em outras instituições psiquiátricas, não havia o conceito de bem-estar, recuperação ou reinserção desse público na sociedade. A existência desses lugares se dava em um contexto em que a prática era isolar e excluir aqueles que incomodavam ou não se encaixavam no ideal de moral e bons costumes, fossem pessoas com transtornos mentais, mulheres que não obedeciam aos maridos, homossexuais, subversivos, pobres ou velhos. Essa conduta, executada por séculos, circundou o debate sobre saúde mental de preconceitos e estigmas que persistem até os dias atuais.

Dez Dias num Hospício
Nellie Bly, editora Fósforo, 112 págs., R$ 49,90

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Dia Mundial do Lazer é comemorado nesta sexta; veja atividades que beneficiam a saúde mental https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/16/dia-mundial-do-lazer-e-comemorado-nesta-sexta-veja-atividades-que-beneficiam-a-saude-mental/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/04/16/dia-mundial-do-lazer-e-comemorado-nesta-sexta-veja-atividades-que-beneficiam-a-saude-mental/#respond Fri, 16 Apr 2021 09:00:29 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/8857c0b8092a8541893c62690787d933a32d05171dcf7d3f2c23d1fdbf44cbbd_5e782ffd07d3a.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=810 “Nada melhor do que não fazer nada”, canta Rita Lee na música “Mania de Você”. Afinal, ter um tempo livre para aproveitar como quiser, seja descansando ou praticando alguma atividade prazerosa, é essencial para a saúde mental.

Esses momentos de folga são fortes aliados na manutenção e no equilíbrio de neurotransmissores como endorfina, dopamina, serotonina e ocitocina, que influenciam nas sensações de bem-estar, alegria e plenitude, explica a psiquiatra Jéssica Martani.

“O desequilíbrio dessas substâncias pode afetar a saúde da mente, proporcionando desânimo, dificuldade de iniciar e completar tarefas, mau humor, ganho de peso, baixa imunidade e, com o tempo, pode deflagrar doenças como depressão, ansiedade, transtornos do sono, entre outras patologias”, diz a médica.

Com as restrições provocadas pela pandemia da Covid-19, deixando academias, parques, cinemas, teatros e outros estabelecimentos fechados, o tempo dedicado aos exercícios físicos e a diversões tem sido menor. Em vez de relaxar, a população tem cada vez mais acumulado o trabalho –muitas vezes em home office– com tarefas do dia a dia e cuidados com os filhos.

Para estimular as atividades de recreação, foi criado o Dia Mundial do Lazer, que nesta primeira edição será comemorado nesta sexta-feira (16), com o tema Lazer para uma Vida Melhor.

A data é uma iniciativa da Organização Mundial de Lazer (World Leisure Organization), com coordenação do WLCE/USP (Centro de Excelência em Estudos do Lazer), em parceria com o Lagel (Laboratório de Gestão das Experiências de Lazer) e o Sesc.

Atualmente, a Organização Mundial do Lazer conta com sete Centros de Excelência em Estudos do Lazer localizados pelo mundo e, a cada ano, um destes centros ficará responsável por organizar a celebração. O objetivo é destacar a importância do lazer para a sociedade.

Nesta sexta, serão realizadas diversas atividades ao redor do mundo, com ações virtuais e presenciais em 20 países (sempre respeitando as orientações de segurança sanitárias locais de combate à Covid-19), com o apoio de diversas instituições parceiras.

No Brasil, a USP, o Lagel e o Sesc estarão à frente das ações do Dia Mundial do Lazer, que serão exclusivamente online.

Saiba mais sobre o Dia Mundial do Lazer no site da Organização Mundial de Lazer (worldleisureday.org) e no Instagram World Leisure Day (@worldleisureday).

Veja abaixo uma seleção de dez eventos virtuais que acontecerão ao longo desta sexta.

Yoga Kimect – com Emaye Ama Mizani (Sesc Pompeia)
A kemetic yoga é um antigo sistema egípcio baseado nas práticas de movimentos físicos combinados com respiração profunda controlada e meditação. A versão moderna desse antigo sistema foi desenvolvida a partir da pesquisa primária realizada por Asar Hapi. Não é apenas uma prática corporal, arte ou cultura, e sim um resgate ancestral e milenar de uma prática espiritual e preta, além de fortalecer identidade histórica. Com Emaye Ama Mizani, mulher rastafari, estudiosa e experimentadora de práticas de saúde holística africana, instrutora de kemetic yoga treinada pela YogaSkills School of Kemetic Yoga, de Chicago.
Horário 9h
Plataforma Instagram do Sesc Pompeia (@sescpompeia)

Malabares (Sesc Itaquera)
A prática de malabares melhora a coordenação motora e a agilidade com movimentos de lançar e receber. Nesta ação desenvolvida com os educadores do Sesc, os participantes vão aprender de forma lúdica e educativa os movimentos de malabares com materiais alternativos como sacolas plásticas e bolinhas de papel.
Horário 8h
Plataforma YouTube, Facebook e Instragam Sesc Itaquera (@sescitaquera)

Yoga em família (Sesc Santo André)
A atividade, comandada pela dupla João Soares e Rosa Muniz, do Yoga com História, traz oyioga em família na perspectiva de narrativas lúdicas associadas aos asanas (palavra em sânscrito significa postura confortável) com a intenção de aproximar as crianças do universo do yoga.
Horário 10h
Plataforma YouTube e Facebook Sesc Santo André

Lazer e identidades: encontros no envelhecer (Sesc Ipiranga)
O Sesc Ipiranga traz a oportunidade de reflexão sobre o lazer como direito no envelhecer, em busca de compreender melhor desigualdades e sobreposições de opressão e discriminações existentes em nossa sociedade.
Participantes Francisco Welligton de Sousa Barbosa Junior, mestre em psicologia pela Universidade do Minho/Portugal, Letícia Lanz, escritora e psicanalista, Mona Rikumbi, primeira cadeirante negra a atuar no Theatro Municipal de São Paulo, Vagner Martins, gestor de esportes no Sesc Ipiranga, especialista em acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência em programas de educação, atividade física, esporte e lazer.
Horário 11h
Plataforma YouTube, Facebook e Instagram do Sesc Ipiranga (@sescipiranga)

Percussão corporal (Sesc Amaro)
Vídeo com breve introdução à percussão corporal, apresentando os principais sons corporais e os primeiros passos para qualquer pessoa aprender a executar ritmos básicos com seu próprio corpo em sua própria casa. Serão abordados também os princípios básicos do ritmo e da percussão, como tempo, pulsação e subdivisão. Com o músico e percussionista Gabriel Draetta.
Horário 16h
Plataforma YouTube, Facebook e Instagram do Sesc Santo Amaro (@sescsantoamaro)

Cards digitais com dicas para lazer, ócio e tempo livre (Sesc Belenzinho)
O Sesc Belenzinho apresentará uma série de cards em seu Instagram, com conceitos sobre lazer, ócio, tempo livre e as áreas de interesse que compõem o tema. Os cards abordarão temas como o que é lazer, ócio criativo, lazer com interesse artístico, lazer com interesse intelectual e lazer com interesse físico-esportivo. No card lazer com interesse artístico, por exemplo, o visitante poderá acessar o show de Lenine no #EmCasaComSesc, no YouTube.
Horário 8h
Plataforma Instagram Sesc Belenzinho (@sescbelenzinho)

Lazer como estratégia para uma melhor qualidade de vida – com Márcio Atalla (Sesc Guarulhos)
Bate-papo ao vivo com o educador físico Márcio Atalla, que abordará a importância e os desafios da mudança de comportamento e a adoção de hábitos saudáveis na busca e promoção da saúde e da qualidade de vida por meio do lazer. Atalla abordará o tema dando dicas e responderá às perguntas do público pelo chat.
Horário 19h
Plataforma YouTube Sesc Guarulhos

Espaço para ser (Sesc Carmo)
Vídeo que reflete sobre o lazer enquanto ócio, trazendo técnicas da atenção plena para a criação do espaço para ser. Com Adriana Fabozzi, especialista em cuidado integrativo, formada em psicologia e educação física.
Horário 11h
Plataforma Facebook e Instagram do Sesc Carmo (@sesccarmo)

Mesa com Alberto Acosta e Danilo Santos de Miranda (Sesc SP)
Três anos após a realização do Congresso Mundial do Lazer, que apresentou discussões sobre as principais barreiras de acesso ao lazer para as pessoas, bem como reflexões sobre como superá-las, entendemos que tais barreiras tornaram-se ainda maiores considerando o atual cenário de crise sanitária-econômica-social. Por outro lado, pesquisas e reflexões têm apontado a importância do lazer neste período de isolamento social, como garantia de bem-estar e até mesmo de manutenção da saúde durante o confinamento. Assim, este encontro buscará refletir sobre o lazer como um direito social e sua importância no cotidiano, a partir dos olhares e experiências do convidado. Com Alberto Acosta, ex-Ministro de Minas e Energia do Equador, pesquisador no Latin American Institute of Social Resarch, e Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo.
Horário 16h
Plataforma YouTube do Sesc São Paulo

Mesa temática ‘Lazer torna a vida melhor’ (WLCE/USP)
Mesa composta por representantes de quatro diferentes regiões do país (Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), a fim de refletir e discutir elementos da área do lazer, tais como sugestões, desafios e limites de possibilidades de ações que tenham relação com a região de cada convidado para a vivência e/ou gestão de um lazer que torne a vida melhor.
Participantes Mirleide Chaar Bahia (UFPA), Christianne Luce Gomes (UFMG), Raquel Silveira (UFRGS) e Junior Vagner Pereira da Silva (UFMS). Coordenação: Edmur Stoppa e Mariana Bueno.
Horário das 14h às 16h
Plataforma Google Meet. A atividade será exibida para o público em geral no Youtube da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades)

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Exaustão e incompreensão são principais queixas das mulheres, diz psicanalista Manuela Xavier https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/08/exaustao-e-incompreensao-sao-principais-queixas-das-mulheres-diz-psicanalista-manuela-xavier/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/03/08/exaustao-e-incompreensao-sao-principais-queixas-das-mulheres-diz-psicanalista-manuela-xavier/#respond Mon, 08 Mar 2021 10:00:31 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/manu-1-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=701 Manuela Xavier, 32, quer abrir os olhos das mulheres. Formada em psicologia pela UFF (Universidade Federal Fluminense), mestre e doutora pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), ela atua como psicanalista em seu consultório em Copacabana, na zona sul do Rio, e tem mais de 300 mil seguidores no Instagram.

Na rede social, Manuela compartilha informações sobre como as mulheres podem identificar sinais de violência e sair de um relacionamento abusivo. Para ilustrar situações de abuso, a psicanalista costuma comentar casos de pessoas famosas e, além de mais seguidores, também ganha haters na internet.

Nos primeiros dias de exibição do BBB21 (Big Brother Brasil), reality show da Rede Globo, por exemplo, ela analisou o comportamento do Fiuk na casa e se tornou alvo de fãs do cantor.

Polêmicas à parte, Manuela conta que seu objetivo é transmitir conhecimento sobre a causa feminista. “As mulheres não precisam frequentar a universidade para saber o que é patriarcado“, afirma.

Em março do ano passado, atenta em relação a como o isolamento social poderia ter impacto na violência doméstica, ela criou os coletivos Escuta Ética, com psicólogas que atendem voluntariamente mulheres em situação de vulnerabilidade, e Nós Seguras, com advogadas que prestam apoio jurídico gratuito em situações de violência.

Com 12 anos de experiência em clínica, Manuela revela que as mulheres ainda ficam constrangidas ao falar sobre um relacionamento abusivo porque se sentem culpadas. “Muitas mulheres têm vergonha porque entendem que isso é uma culpabilização individual. Que aquela violência que elas estão sofrendo é culpa delas. E que elas estão fazendo por merecer aquilo. Elas não entendem que é uma violência coletiva e estrutural”, diz.

A psicanalista observa que as principais queixas das mulheres em consultório são exaustão e incompreensão. “Eu diria que a exaustão acontece porque existe uma sobrecarga enorme sobre as mulheres. E a incompreensão porque elas sentem que ninguém entende o que elas dizem, já que elas são sempre tachadas de loucas, exageradas, dramáticas.”

Por que você decidiu trabalhar com pacientes mulheres e com temas relacionados ao feminismo? 
Foi pela própria clínica. Atendo clinicamente há 12 anos e a demanda na clínica é majoritariamente feminina. É um exercício para pensar: se as mulheres procuram mais a clínica é por que esse é um espaço exclusivo para mulheres? Não, não é só para mulheres. Mas por que as mulheres trazem mais esse sofrimento? Há muitas mulheres sofrendo e muitas mulheres procurando recursos. E os homens? Como estão lidando com o sofrimento deles? Acho que essa é uma questão. Então fui fazendo essa constatação de que a clínica é um espaço que as mulheres se sentem convocadas a ocupar. Tanto porque elas são maioria nos cursos de psicologia quanto porque são maioria na clínica também. As mulheres estão convocadas a pensar seus sofrimentos.

E porque, escutando as histórias das mulheres, percebi que certos sofrimentos não são individuais. Muitos sofrimentos que as mulheres levam ao consultório são sofrimentos coletivos. Não é possível que elas estão tendo os mesmo problemas individualmente. Todas são muito parecidas? Ou é um sistema que produz sofrimentos muito específicos nas mulheres?

Fui entendo que a clínica é majoritariamente feminina, os cursos de psicologia são majoritariamente femininos, as dores das mulheres são, de forma coletiva, muito parecidos. Então existe um sistema de opressão que causa esse sofrimento nas mulheres. Foi a partir daí que me aprofundei nesse tema, no feminismo, e nesse tipo de sofrimento que atravessa todas nós.

Com as redes sociais estimulando debates como o que é um relacionamento abusivo e os tipos de agressão contra as mulheres (física, sexual, psicológica, patrimonial e moral), você acha que as mulheres estão ficando mais atentas e tendo maior facilidade para sair de –ou até mesmo evitar– um relacionamento abusivo nos últimos anos? 
Sim, acho que as mulheres têm mais facilidade para identificar um relacionamento abusivo atualmente. Como esse tema tem sido massivamente falado, elas têm mais facilidade para identificar, porque hoje em dia é mais difícil você cair no golpe do cara que é ciumentão, do cara que é valentão. Você já consegue sacar que tem um perigo.

Apesar de ainda existir uma contracorrente que valoriza muito esses aspectos da virilidade. A gente identifica em certas músicas, por exemplo. No sertanejo, algumas têm refrões do tipo: “Vai namorar comigo, sim! Não quero nem saber, você vai ser minha, sim”. Então existe ainda uma contracorrente cultural que reforça os estereótipos de masculinidade, de virilidade, de violência.

Mas existe um outro ponto também que é o fato de a violência ir se remasterizando. Ela vai se atualizando. A gente vai identificando os sinais, os padrões de violência, mas os homens, os agressores, vão percebendo no que as mulheres já não caem mais. Então tem que mudar a violência. Não que haja uma reunião entre os homens e eles decidem o que vão fazer: “Nossa, vamos mudar nossa tática”. Não é isso, claro. Mas os abusos vão ocorrendo de outras formas. E nós vamos ter que ficar cada mais atentas aos sinais.

Antigamente, por exemplo, a gente achava que violência era só o cara bater. Depois a gente entendeu que xingar também é violento, que o cara segurar o nosso dinheiro também é violento, que fazer tortura psicológica também é violento. A gente entendeu também que o cara ignorar e tratar com frieza é violento. Então hoje as mulheres estão mais atentas e conseguem identificar esses sinais de abuso.

E também, por causa das grandes denúncias que se tornam públicas, as mulheres tomam força para conseguir sair de um relacionamento assim. Porque entendem que aquela violência que elas vivem não é culpa delas e isso dá força para elas saírem. Elas entendem que isso é uma coisa estrutural. Mas acho que também existem outras violências sendo atualizadas que a gente vai precisar fazer o esforço de mapear, que a gente ainda não sacou muito bem.

O que as mulheres de 2021 têm de vantagem em relação às mulheres do período pré-internet e redes sociais? Hoje elas têm uma orientação melhor sobre como agir e para quem denunciar uma agressão, por exemplo? 
A informação e o trabalho que o movimento feminista vem fazendo, desde as sufragistas, e agora com essa nova onda de feminismo que se espalha pela internet, que a gente dissemina informação. Hoje meninas de 14 anos já estão ligadas no que é patriarcado, já falam sofre dar mais poder às mulheres. Isso se dá pela informação que circula. Hoje em dia é mais fácil a gente ter esse acesso.

As mulheres não precisam frequentar a universidade para saber o que é patriarcado, porque está aí na internet, está na música. Hoje a gente tem várias cantoras feministas, tem documentários feministas, está nos veículos de informação. Porque já se entendeu que certas coisas não vão passar mais, que a gente vem fazendo uma pressão.

Acho que a vantagem que as mulheres têm atualmente é graças aos avanços do movimento feminista e pela própria internet, por onde a comunicação circula. A notícia de que uma mulher que sofre violência lá no sertão de Pernambuco chega ao Brasil inteiro. Ou uma brasileira for agredida na Suécia, isso chega no Brasil inteiro também. Essa informação circula de uma forma muito potente.

E hoje temos outras narrativas. Com a internet, a gente tem uma democracia maior das narrativas. A informação não está mais só no Jornal Nacional. Temos jornalistas independentes, temos outras mídias independentes e de livre acesso. Com isso, temos a ascensão de outras vozes. Essa é uma vantagem.

Também há a orientação de coletivos que estão presentes nas redes sociais e orientam como agir, mostrando os lugares que a mulher deve procurar em caso de violência. Também temos a delegacia da mulher, que é  conquista.

As mulheres ainda têm vergonha de falar sobre um relacionamento abusivo?
Sim. Por mais que haja o conhecimento, não vai ser hoje, não vai ser daqui a dez ou 50 anos que a gente vai mudar uma ideia implantada com séculos de opressão.

Muitas mulheres têm vergonha porque entendem que isso é uma culpabilização individual. Que aquela violência que elas estão sofrendo é culpa delas. E que elas estão fazendo por merecer aquilo. Elas não falam porque elas se sentem culpadas. Elas não entendem que é uma violência coletiva e estrutural.

Ninguém tem vergonha de dizer que foi assaltado, que caiu em algum lugar, porque quando você é assaltado ou quando você leva um tombo, você entende que não foi culpa sua. Mas quando você é violentada pelo seu parceiro, você tem vergonha de dizer porque acha que a pessoa para quem você vai contar não vai acreditar em você.

Isso acontece porque os abusadores sabem parecer muito legais, eles sabem ser muito convincentes. A mulher que vive a violência sabe que o cara é um agressor, mas ela sabe também que as pessoas com quem esse casal podem não acreditar nisso. Geralmente, as pessoas acham que esse cara é legal, é um cara inteligente, um cara articulado, um cara apaixonado, um cara cuidadoso. Faz parte da dinâmica do relacionamento abusivo o cara fazer essa cena para os outros. Esse, inclusive, é um dos sinais: o cara está fazendo muita declaração pública de amor? Desconfie desse lado.

Quais são as principais queixas que aos mulheres levam ao consultório? Existe uma queixa principal da mulher do século 21?
No geral, as queixas giram em torno de exaustão, cansaço e incompreensão. Esses são os sentimentos. Há muitas queixas de solidão, relacionamento também é uma queixa muito comum. Mas posso dizer que são abusos em geral. Abusos familiares que recaem sobre as mulheres, abusos de trabalho que recaem sobre as mulheres, com os assédios de trabalho e abusos nas relações.

Eu diria que a exaustão acontece porque existe uma sobrecarga enorme sobre as mulheres. E a incompreensão porque elas sentem que ninguém entende o que elas dizem, já que elas são sempre tachadas de loucas, exageradas, dramáticas.

Esses sintomas são comuns porque, nas narrativas dessas mulheres, essas queixas de abusos, abusos familiares, recaem de uma forma muito mais radical sobre as mulheres do que sobre os homens. Abusos nas relações de trabalho também, porque as mulheres são muito assediadas e abusadas no trabalho.

Se tem uma queixa da mulher do século 21 acho que é a dificuldade de se expressar. Elas são tachadas de raivosas quando expressam o que estão sentindo. É uma nova tática de silenciamento. É assim: você pode falar tudo, mas fala tudo para eu dizer que você está errada. É essa deslegitimação na denúncia.

A gente já ganhou o direito de falar, mas a gente ainda não ganhou o direito de ser ouvida. Porque é muito diferente. A gente ganhou o direito de falar, sim, não nego, mas a gente ainda não ganhou o direito de ser ouvida. A gente ainda é tachada de doida, dramática, chata. Acho que essa é uma queixa geral da mulher do século 21.

Vai demorar quantas décadas para a mulher ser respeitada e valorizada de igual para igual com um homem no ambiente de trabalho e na sociedade?
Não acho que vai demorar décadas, mas séculos. Porque o patriarcado é um sistema de poder e de forças muito poderoso e a gente vai precisar de muito tempo de representatividade, de disputa de narrativa, de redistribuição de renda, de outra implementação de políticas. No trabalho e na sociedade, a gente vai precisar de séculos de luta para conseguir sobreviver de uma forma mais digna, mais humana.

Qual é o seu objetivo com as informações que você compartilha nas redes sociais e com os cursos como a leitura dirigida do livro “O mito da beleza”, da escritora Naomi Wolf?
Meu objetivo é abrir os olhos das mulheres. Estou comprometida com o despertar das mulheres, com a emancipação das mulheres, para que as mulheres não se sintam sozinhas.

Em março do ano passado, eu já sabia que a pandemia impactaria ainda mais as mulheres e criei um coletivo de psicólogas, o Escuta Ética, com profissionais que atendem voluntariamente e gratuitamente outras mulheres em situação de vulnerabilidade e de violência. E também formei um coletivo de advogadas, o Nós Seguras, com profissionais que prestam assessoria e apoio jurídico gratuito a mulheres em situação de violência.

Quero que no meu perfil, com o meu trabalho, as mulheres sintam que elas têm lugar, sintam que elas têm acolhimento e apoio, e que elas tenham informação e conhecimento.

Que as mulheres que não tiveram oportunidade de frequentar uma universidade, que não tiveram oportunidade de ler livros com o da Naomi Wolf, os da Simone de Beauvoir, os da Angela Davis, os da Lélia Gonzalez, que essas mulheres possam ali ter as informações sobre essa estrutura que nos oprime.

Nós ficamos muito alienadas e relação a essas opressões porque a sociedade nos oferece substratos de alienação. É um programa de TV, é a fofoca dos famosos. E o meu trabalho é muito sobre ocupar esse lugar, como: A fofoca do famoso diz o que sobre a sua vida? A fofoca do famoso guarda uma lógica de opressão que atua na sua vida também, mulher, sabia?

O meu papel é ir traduzindo todas as informações que chegam nas músicas, nos filmes, na novela, na página de fofoca e como que isso dá sinais e denuncia a nossa engrenagem da opressão. O meu objetivo é mostrar para as mulheres como que funciona o sistema para que elas não se sintam sozinhas.

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Série ‘Hotel Cecil’ mostra como os transtornos mentais podem ser traiçoeiros, diz psiquiatra https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/serie-hotel-cecil-mostra-como-os-transtornos-mentais-podem-ser-traicoeiros-diz-psiquiatra/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/25/serie-hotel-cecil-mostra-como-os-transtornos-mentais-podem-ser-traicoeiros-diz-psiquiatra/#respond Thu, 25 Feb 2021 10:00:22 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/cecil3-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=652 Este texto fala sobre o desfecho da série “Cena do Crime – Mistério e Morte no Hotel Cecil”. Então, se o leitor não quiser saber como a história termina, é melhor parar por aqui.

‘Hotel Cecil’, que estreou na Netflix neste mês e tem apenas quatro episódios, conta a história de Elisa Lam, uma canadense de 21 anos que, em 2013, viajou sozinha para a Califórnia e desapareceu.

Em busca de pistas que poderiam ajudar a encontrar Elisa, a polícia de Los Angeles decidiu publicar em seu site um vídeo gravado por uma das câmeras de segurança do hotel em que ela estava hospedada.

Com a divulgação das imagens, o caso ganhou ampla repercussão na imprensa, passou a ser debatido nas redes sociais e gerou todos os tipos de especulações e teorias da conspiração imagináveis.

Tudo começa com a péssima reputação do Cecil, hotel onde Elisa estava hospedada quando desapareceu.

Inaugurado na década de 1920, o prédio fica em uma região conhecida como skid row, no centro de Los Angeles, que pode ser comparada à cracolândia de São Paulo.

Com hospedagem barata, o Cecil era frequentado por traficantes e usuários de drogas. Seus quartos já foram cenários de diversos assassinatos, suicídios e mortes por overdose.

Numa tentativa de mudar o público e atrair mais turistas, parte do hotel foi reformada, ganhou uma nova entrada e até outro nome: Stay on Main. Foi num desses andares revitalizados do Cecil que Elisa se hospedou. Apesar da fachada mais moderninha, seus hóspedes dividiam o mesmo prédio e os mesmos elevadores do Cecil.

Como se não bastasse a fama de mal-assombrado do hotel, Elisa apresenta um comportamento estranho nas filmagens divulgadas pela polícia.

Ela entra no elevador –que permanece o tempo todo aberto–, aperta vários botões, sai, olha para os lados, entra de novo e se esconde em um cantinho. Depois sai do elevador novamente, faz gestos com as mãos como se estivesse tocando em algo invisível ou falando com alguém e, por fim, deixa o local seguindo para lado esquerdo do corredor.

As cenas misteriosas levam os internautas ao delírio: Elisa estava fugindo de alguém? Havia um fantasma ali? Será que ela estava sob efeito de drogas?

Dias depois de o vídeo ser divulgado, o corpo de Elisa foi encontrado em uma das caixas d’água do hotel. Mais teorias surgem nas redes sociais. Afinal, aquela garota não poderia ter chegado até o terraço do edifício sozinha.

O tribunal da internet começa então a acusar Pablo Vergara, um cantor mexicano de death metal que usa o nome artístico Morbid, pelo suposto assassinato de Elisa.

Vergara, que dá seu depoimento no documentário, conta que recebeu diversas mensagens de ódio pelas redes sociais. Ele ficou tão depressivo que chegou a tentar o suicídio e passou um tempo internado em uma clínica psiquiátrica.

O músico nunca foi visto como suspeito pela polícia. Ele se hospedou no hotel Cecil, publicou alguns vídeos no seu canal do YouTube, mas isso havia sido um ano antes de Elisa fazer check-in.

Divulgado semanas depois, o laudo do médico legista revolta os investigadores cibernéticos. O resultado apontou que a morte foi acidental. Elisa não foi assassinada nem cometeu suicídio.

Desde o primeiro capítulo fica claro que a canadense era uma garota solitária, gostava de escrever uma espécie de diário no Tumblr, tinha depressão e fazia tratamento medicamentoso para controlar a doença. Mas apenas no último episódio é revelada a gravidade da sua condição mental.

O exame toxicológico mostra que a canadense não usou drogas ilegais nem álcool, mas as dosagens dos medicamentos que ela tomava estavam muito baixas. Ou seja, em algum momento durante a viagem, Elisa decidiu parar de tomar os remédios que ela chamava de “café da manhã dos campeões”, entre eles um moderador de humor e um antipsicótico.

“Costumo dizer que as doenças da mente são traiçoeiras. Primeiro porque demoramos para procurar ajuda achando que é ‘só uma fase’, que logo vai passar e que conseguimos lidar com isso sozinhos. E também porque durante o tratamento, assim que nos sentimos melhor, achamos que não é mais necessário o uso das medicações”, explica a psiquiatra Jéssica Martani.

Elisa sofria de transtorno bipolar do tipo 1, uma doença grave definida por episódios maníacos e de euforia que duram ao menos sete dias, com aumento de energia e de atividade. Alguns pacientes podem apresentar sintomas psicóticos, tais como alucinações ou delírios. Essa fase maníaca é alternada com períodos depressivos, de baixa energia, em que muitas vezes o paciente não consegue realizar atividades simples, como escovar os dentes, tomar banho ou mesmo levantar da cama. No transtorno bipolar do tipo 1, tanto na mania quanto na depressão, os sintomas são intensos.

Além do tipo 1, também existe o transtorno bipolar do tipo 2 –quando há uma alternância entre os episódios de depressão e os de hipomania, que é um estado mais leve de euforia–, o transtorno bipolar não especificado ou misto –quando os sintomas não têm duração ou intensidade suficientes para classificar a doença em um dos dois tipos anteriores– e o transtorno ciclotímico –que é o quadro mais leve, marcado por oscilações crônicas do humor, que podem ocorrer até no mesmo dia

“Alguns detalhes comentados na série nos fazem perceber que o estado emocional de Elisa estava bastante alterado. Em determinado dia, a equipe do hotel a transfere de quarto devido a brigas com outras meninas que estavam no mesmo dormitório”, observa Jéssica.

Enquanto Elisa esteve num quarto compartilhado, ela costumava trancar a porta e pedir senhas para as outras garotas entrarem. Também deixava bilhetes sobre as camas delas dizendo “vá embora”.

O documentário revela que a irmã de Elisa chegou a dizer aos policiais que na casa delas, no Canadá, ela já havia parado de tomar os remédios algumas vezes e apresentado delírios persecutórios, chegando a se esconder debaixo da cama.

Mesmo após o caso ser encerrado, muitos internautas não aceitaram a explicação da polícia. Algumas pessoas chegaram a dizer nas redes sociais que os policiais poderiam estar tentando proteger algum funcionário do hotel, responsável pela morte da jovem.

“A desinformação faz com que grande parte da população minimize o transtorno afetivo bipolar como sendo uma característica da pessoa que está ora feliz, ora triste. Isso faz com que elas não entendam o que é o transtorno, suas crise e a gravidade dessa patologia. Outra questão é o quanto é difícil acreditar e aceitar que nossa própria mente pode agir de forma a nos fazer mal”, afirma a médica.

A psiquiatra conta que, para algumas pessoas, é mais fácil acreditar em teorias da conspiração criadas na internet do que compreender que negligenciar os transtornos mentais pode trazer consequências graves não apenas para o paciente, mas para as pessoas que estão ao seu lado. Muitas vezes a pessoa precisa do apoio da família para tomar os remédios e seguir corretamente o tratamento recomendado pelo médico.

“Acredito que muitas pessoas se identificaram com a Elisa, pois ela de nada difere das jovens de sua idade. Ela estava iniciando sua carreira, estava começando novas experiências, viajando pela primeira vez, não fazia uso de drogas ilegais e, como qualquer um de nós, passava por momentos difíceis. Elisa poderia ser nossa irmã, nossa amiga, poderia ser eu, ser você”, relata Jéssica.

“É difícil aceitar que tudo poderia ser diferente se ela estivesse seguindo corretamente seu tratamento”, conclui.

No final, o documentário sugere o site wannatalkaboutit.com para quem enfrenta algum tipo de transtorno mental, como depressão ou ansiedade, e deseja procurar ajuda.

No Brasil, o canal mais conhecido é o CVV (Centro de Valorização da Vida), fundado em São Paulo, em 1962. O centro presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato.

COMO ENTRAR EM CONTATO COM O CVV

Por telefone
Ligue para 188 a qualquer momento. O atendimento é 24 horas, gratuito e garante anonimato e sigilo absoluto

Por email
Acesse cvv.org.br/e-mail, preencha os campos com seu nome, email e mensagem, e um voluntário responderá assim que possível

Por chat
Para iniciar a conversa, acesse cvv.org.br/chat e clique no link indicado. O atendimento acontece de segunda a quinta, das 9h à 1h, às sextas, das 15h às 23h, aos sábados, das 16h à 1h, e aos domingos, das 17h à 1h

Atendimento pessoal
O atendimento pessoal está temporariamente suspenso devido à pandemia da novo coronavírus. No entanto, quando for seguro, você pode conversar pessoalmente com um voluntário do CVV nos postos de atendimento. Acesse cvv.org.br/postos-de-atendimento e procure o endereço mais próximo. Também é possível enviar uma carta, que será respondida por um voluntário.

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Isolar quem é ‘diferente demais’ faz parte do estigma associado às doenças mentais, explica psiquiatra https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/09/isolar-quem-e-diferente-demais-faz-parte-do-estigma-associado-as-doencas-mentais-explica-psiquiatra/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/09/isolar-quem-e-diferente-demais-faz-parte-do-estigma-associado-as-doencas-mentais-explica-psiquiatra/#respond Tue, 09 Feb 2021 10:00:29 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/juqueri-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=631 O estigma associado às doenças mentais foi tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano. A preocupação sobre os cuidados com a saúde mental cresceu desde o início da pandemia da Covid-19.

Uma pesquisa divulgada em julho de 2020, realizada por cientistas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), mostrou que mais da metade da população adulta do estado de São Paulo afirmou sentir ansiedade ou nervosismo com frequência desde o começo da quarentena.

Apesar disso, falar sobre transtornos mentais ainda é um tabu. “Muitas vezes, o paciente não busca ajuda por vergonha ou medo de que a sociedade o exclua ou o desvalorize”, conta a psiquiatra Jéssica Martani.

No passado, explica a médica, as pessoas que eram consideradas “diferentes demais” ou que “incomodavam demais”, como as que tinham ideias contrárias à Igreja ou ao governo, eram isoladas e encarceradas.

Esse estigma se perpetua até os dias de hoje, quando os sofrimentos psíquicos são ridicularizados ou minimizados com comentários como “depressão é falta de Deus” ou “falta de lavar louça”, observa Jéssica.

De onde vem esse estigma associado aos transtornos mentais? 
O estigma está condicionado a um conjunto de fatores históricos e um conjunto de dogmas cumulativamente passados de geração para geração. A partir daí, criam-se crenças tão enraizadas que os preconceitos começam a passar despercebidos, começam a se tornar­ normais e se entrelaçar em nossas mentes, passando por fim a virar uma verdade indubitável.

Esses preconceitos fazem, então, parte do cotidiano, das falas e dos pensamentos, ditando a cultura de uma sociedade.

O estigma e o preconceito em relação aos pacientes psiquiátricos surgiram há muito tempo. Na história da psiquiatria, eram colocados em encarceramento todas as pessoas que eram consideradas “diferentes demais” ou que “incomodavam demais”, como, por exemplo, pessoas que iam contra as leis, contra o governo. Na época da Inquisição, os que tinham condutas consideradas libertinas e contrarias aos dogmas da Igreja Católica eram perseguidos, torturados e encarcerados.

Por muito tempo a doença psiquiátrica foi associada a questões místicos-religiosas, como possessão demoníaca. Mais uma vez, essas pessoas deveriam ser encarcerados, punidos e eliminados de todo e qualquer direito de cidadão. Como ainda não havia estudos e nem medicamentos, a única maneira de lidar com os pacientes era trancá-los excluí-los e, infelizmente, esquecê-los.

Foi apenas durante o Iluminismo, no século 18, que o médico francês Philippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria, começou a falar sobre os direitos dessas pessoas de serem cuidadas de maneira digna, sem a necessidade de atos violentos e com melhores condições de vida.

Porém, tal conceito não foi aceito e difundido tão rapidamente e, por muito tempo ainda, os doentes psiquiátricos continuaram a viver sob as piores formas de tratamento.

No Brasil, a situação não foi diferente. Um dos pontos históricos importantes aconteceu na época da ditadura militar, em que também pessoas consideradas subversivas eram internadas em manicômios, recebendo eletroconvulsoterapia de maneira errada, sem indicação e como forma de punição.

É claro que todos esses eventos deixaram marcas até os dias atuais. Muitas pessoas não buscam ajuda por terem medo do psiquiatra, medo dos tratamentos, medo de ser internado.

Também não buscam ajuda, afinal, não são loucos, não são indignos de estar em sociedade, não merecem sentir na pele os preconceitos enraizados suas próprias mentes.

Pacientes com doenças psiquiátricas são muitas vezes considerados preguiçosos, perigosos, indignos de confiança, indignos de fazer grandes realizações, são desacreditados, vitimas dignas de pena. E esta aí o triste estigma de séculos de história que, muitas vezes, é reafirmado por meio dos veículos de comunicação.

Não é incomum observarmos a grande barreira que as pessoas colocam ao ficar perto de um paciente psiquiátrico internado, até mesmo medo de olhar nos olhos. Não é incomum a repulsa, o desconforto.

Essa questão do afastamento da sociedade ainda é muito forte? 
Sim, o afastamento é uma forma de preconceito e muito retrocede todo o esforço que estamos fazendo para combater o estigma associado às doenças mentais.

Precisamos espalhar informações para que as pessoas saibam nomear cada síndrome, e não tratar tais doenças de forma pejorativa. Em vez de ajudar, tratar doença mental como brincadeira só diminui e exclui ainda mais o individuo, desvalorizando a doença, tratando como piada algo de extrema importância e seriedade.

E, pior do que isso, aumentando o preconceito e dificultando as pessoas que precisam a buscarem ajuda, aceitarem o seu diagnóstico e se tratarem. Muitas vezes, o paciente não busca ajuda por vergonha ou medo de que a sociedade o exclua ou o desvalorize.

Existiu algum momento na história em que a saúde mental começou debatida mais seriamente? Ou esse momento está acontecendo agora, no contexto da pandemia da Covid-19 e do isolamento social? 
Temos alguns marcos e algumas pessoas que foram essenciais para questionar as práticas com as quais os pacientes eram submetidos, como com Philippe Pinel, no século 18, quando começou a se falar sobre tratar os pacientes de forma mais humanizada.

Também temos Dorothea Dix, uma ativista que viveu no século 19, nos Estados Unidos, que lutou por melhorias e contra o tratamento cruel e sem estrutura, por melhores condições nos locais onde estavam os doentes psiquiátricos.

Enfim, não podemos esquecer dos psicanalista Freud e Jung, no início do século 20, entre outros grandes nomes que transformaram e construíram praticas e tratamentos.

No Brasil, foi na década de 1980 que se iniciou a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial. Todos esses processos culminaram no surgimento dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), residências terapêuticas e centros de convivência que buscam a reintegração do paciente na sociedade, e não a sua exclusão.

Nos últimos anos, as possibilidades de comunicação se multiplicaram e hoje qualquer pessoa pode falar sobre saúde mental. Essa liberdade abriu espaço para mídias sociais, rádios em formato digital, podcasts, ebooks, enfim, observo um aumento de informações sobre saúde mental e essas mídias se unindo.

Atualmente, pessoas famosas e influenciadores conversam e falam mais abertamente sobre seus casos depressão, ansiedade, bipolaridade. Isso é incrível para diminuir o estigma. Pois doença psiquiátrica não é coisa de louco, basta ser humano para sofrer de um transtorno.

Além da pandemia da Covid-19, é possível notar também uma pandemia de doenças psíquicas como TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), depressão, síndrome do pânico, alcoolismo, vício em jogos. Sentimos diariamente agora a importância da saúde mental, e essa necessidade aumentou muito a discussão sobre o tema.

Mesmo com a ampliação do debate sobre saúde mental, muitas pessoas ainda sentem vergonha e até medo de serem demitidas ao comentar algum transtorno mental no ambiente de trabalho 
Infelizmente, ainda vejo muito preconceito e incompreensão no ambiente de trabalho. Os pacientes costumam se sentir diminuídos, muitos têm a impressão de estarem sendo julgados ou até mesmo têm a impressão que as pessoas reagem como se eles estivessem mentindo para não trabalhar.

Além da tristeza e do momento difícil que estão passando, ainda precisam se deparar com a falta de empatia dos colegas de profissão.

Muitos têm vergonha de mostrar um atestado médico com o CID (Classificação Internacional de Doenças) que represente uma doença psiquiátrica. Têm medo de que, com isso, possam ser prejudicados em seus trabalhos, bem como prejudicar sua ascensão a outros cargos.

Ainda mais nos dias de hoje, a “era da produtividade” em que quanto mais se trabalha, mais digno e honroso você é. Os pacientes têm vergonha de se ausentar do trabalho, mesmo com indicação médica. E, quando se afastam, muitos têm sentimento de culpa e iniciam dilemas e inseguranças sobre sua autoimagem como profissionais.

Que linha deve seguir o debate na sociedade para diminuir o estigma em relação às doenças mentais?
Não há outra maneira que não seja a informação. É preciso falar abertamente que não há problema em buscar ajuda, que psiquiatra e psicólogo não são “coisas de louco”e sim que tudo isso é coisa de gente saudável.

É explicar que depressão não é frescura, não é preguiça, não é mimimi. Assim como também não é falta de Deus, não é falta de lavar louça, entre outros absurdos que a gente ouve.

É dar o exemplo respeitando quem tem doenças mentais. Não julgar, não brincar com os termos médicos, não utilizá-los de forma pejorativa.

É ouvir quem está precisando de ajuda e olhar nos olhos do paciente psiquiátrico que se encontra com prognostico mais grave. Olhar sem medo, olhar como uma pessoa igual a você, porque, sim, pode acontecer com qualquer pessoa, poderia ser seu filho, sua mãe, poderia ser você.

É debater e informar para que a empatia não seja desenvolvida somente à custa de viver na pele essa mesma situação.

 

Siga o blog Saúde Mental no TwitterInstagram Facebook.

]]>
0
Delírio de ciúme em ‘Dom Casmurro’ é tema de debate promovido pela PUC-Rio https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/01/delirio-de-ciume-em-dom-casmurro-e-tema-de-debate-promovido-pela-puc-rio/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/12/01/delirio-de-ciume-em-dom-casmurro-e-tema-de-debate-promovido-pela-puc-rio/#respond Tue, 01 Dec 2020 10:00:25 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/edecb64030f2438ed851923ad1d0518600ee18df0d0a0201c728f80f9f451267_5ae76b439e256-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=481 Capitu traiu Bentinho? A pergunta mais famosa da literatura brasileira envolve os personagens de “Dom Casmurro”, romance de Machado de Assis (1839-1908).

Mas se a traição existiu ou não pouco importa para a palestra sobre psicopatologia e literatura promovida pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), nesta terça-feira (1º), das 17h às 18h, transmitida pela plataforma Zoom.

O foco do debate será o delírio de ciúme de Bentinho, que será analisado por Elie Cheniaux, professor titular de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ) e do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROPSAM-IPUB-UFRJ).

Bentinho preenche os critérios para o diagnóstico de um transtorno delirante, a antiga paranoia, diz Cheniaux.

“Seu delírio tem as características típicas desse quadro: não bizarro, de conteúdo possível, bem sistematizado, interpretativo, autorreferente e monotemático. Além disso, como também se costuma observar no transtorno delirante, alucinações e sintomas negativos da esquizofrenia estão ausentes.”

Cheniaux explica que a convicção que Bentinho tem de que Capitu o traiu é delirante porque independe da realidade.

“A partir de indícios meramente circunstanciais, Bentinho, desproporcionalmente, formou uma ‘convicção extraordinária’, não influenciável pela argumentação lógica ou pela exposição aos fatos”, afirma.

Mesmo que tenha havido a traição, ideia continuaria a ser delirante, ressalta Cheniaux. “Neste caso, seria um delírio de conteúdo verdadeiro, que, apenas por casualidade, coincidiria com a realidade. O que determina se uma crença deve ser classificada ou não como delirante não é a conclusão a que o indivíduo chegou, mas como ele chegou a ela, ou seja, se o seu raciocínio seguiu os princípios da lógica formal e se foi mantida a capacidade para a autorrefutação e a autocrítica.”

O professor irá se aprofundar no tema do transtorno delírio a partir do personagem de “Dom Casmurro” durante a videoconferência nesta terça.

Cheniaux é autor do “Manual de Psicopatologia” (editora Guanabara Koogan, 215 págs.), entre outros livros.

Para participar do evento é preciso fazer inscrição antecipadamente.

Psicopatologia e literatura: o delírio de ciúme de Bentinho, em ‘Dom Casmurro’, de Machado de Assis
Quando quinta (1°), às 17h
Onde virtual, transmitido pela plataforma Zoom
Inscrição gratuita, deve ser feita antecipadamente neste link

]]>
0
Já tive paciente que ouviu de outro terapeuta que racismo não existe, diz psicólogo Lucas Veiga https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/17/ja-tive-paciente-que-ouviu-de-outro-terapeuta-que-racismo-nao-existe-diz-psicologo-lucas-veiga/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/11/17/ja-tive-paciente-que-ouviu-de-outro-terapeuta-que-racismo-nao-existe-diz-psicologo-lucas-veiga/#respond Tue, 17 Nov 2020 10:00:55 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/lucasveiga-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=423 A população negra enfrenta preconceitos e violências que afetam diretamente sua saúde mental. Para piorar, os cursos de graduação em psicologia não costumam incluir em seus currículos bibliografias de autores negros, de forma que os profissionais saem das universidades sem conhecimento suficiente para lidar com questões relacionadas ao racismo em seus consultórios.

Esse cenário de exclusão levou o psicólogo e mestre em psicologia clínica Lucas Veiga, 30, a criar o curso Introdução à Psicologia Preta. “É um curso em que abordo não só os efeitos do racismo nas subjetividades, mas especialmente os caminhos de promoção de saúde e as estratégias para a afirmação plena da existência de pessoas negras”, explica.

“Já ouvi mais de uma vez de pacientes negros e negras que fizeram terapia com profissionais brancos que não se sentiam escutados, que por vezes precisavam explicar o porquê do seu sofrimento com determinada situação e que isso era exaustivo. Já tive paciente que ouviu de outro terapeuta que o racismo não existe”, afirma o psicólogo, que atende em consultório na região central do Rio de Janeiro.

Para Lucas, o encontro de um profissional negro com um paciente negro restabelece o senso de pertencimento. “Gosto de pensar a clínica como um espaço de aquilombamento. Os quilombos foram espaços em que era possível para os africanos viverem com liberdade, era possível entrar em contato com as tecnologias ancestrais de preservação da vida, da natureza, das relações humanas.”

Leia a seguir a entrevista com o psicólogo.

Por que é importante fazer um recorte para a população negra quando falamos em saúde mental?

Primeiramente, é preciso entender que o recorte já existe socialmente. Quando a gente fala em psicologia preta, a gente não está criando um recorte. Esse recorte racial se materializa numa série de estatísticas, por exemplo, 75% dos brasileiros mais pobres são negros, a expectativa de vida de pessoas negras é seis anos a menos do que a de pessoas brancas, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, 60% dos jovens que se suicidam são negros. Esses dados revelam um recorte que tem impactos na saúde mental da população negra.

O racismo não é um episódio isolado, vivemos numa sociedade estruturalmente racista. Quando uma pessoa sofre um crime de racismo isso é, na verdade, uma das expressões do racismo enquanto estrutura. Durante quase quatro séculos houve escravidão no Brasil e, após a abolição, em 1888, não foram criadas políticas públicas de reparação aos danos materiais e emocionais que o período produziu na população negra. Como descendentes de africanos nascidos no pós-abolição, ainda que não tenhamos vivido os horrores da escravidão do modo como nossos ancestrais viveram, experimentamos ainda os efeitos desse período.

O pós-abolição no Brasil, diferentemente dos EUA e da África do Sul, por exemplo, não foi marcado por uma segregação racial de tipo assentos de ônibus separados entre negros e brancos, espaços públicos e privados separados entre negros e brancos. Nós vimos acontecer no Brasil o surgimento de um mito que é o mito da democracia racial, de que não existiria racismo no país devido à nossa intensa miscigenação, mas na verdade, houve e há segregação racial no país como os dados estatísticos que citei anteriormente revelam.

Então esse recorte, essa diferença, já está dada. Falar em psicologia preta não é fazer um recorte, é admitir que esse recorte já existe e, a partir daí, pensar o impacto disso tudo na saúde mental. Vivemos em um país antinegro e isso tem efeitos nocivos sobre as subjetividades negras.

Em que momento você percebeu que essa abordagem era importante? Foi durante a graduação?

Entrei na Universidade Federal Fluminense em 2008, num período anterior às cotas. Numa turma de 45 alunos, éramos cinco negros. Os professores eram todos brancos. Para não ser injusto, teve um professor negro no final da graduação. Mas isso não aparecia como uma questão.

Na graduação não eram estudados intelectuais negros. Há um apagamento das produções de conhecimento negras na psicologia no Brasil. Ao limitar-se às conceituações brancas e europeias, a psicologia brasileira deixa de contemplar 54% da população do país que é negra. A subjetividade negra é ignorada na maioria das graduações em psicologia, e um dos efeitos diretos disso são pacientes negros serem vítimas de racismo pelos profissionais que deveriam acolhê-los e, ao mesmo tempo, sentirem que não estão sendo compreendidos em suas questões.

Há certa negligência na graduação que não nos forma para o trabalho com a população negra. Fui me dar conta dessa falta depois que me formei e fui trabalhar na Casa Viva Bangu, um espaço de acolhimento da prefeitura para adolescentes de 12 a 17 anos que viviam em situação de rua, sendo que 95% deles eram negros.

Foi lá que entendi que as minhas ferramentas de trabalho não eram suficientes para pensar em estratégias de saúde mental para aqueles adolescentes que viviam em extrema vulnerabilidade social e faziam uso abusivo de drogas. E essa realidade era efeito do racismo estrutural sobre seus corpos e suas subjetividades.

Então fui pesquisar caminhos para a promoção de saúde mental nesse contexto e, juntamente com outras colegas, me encontrei com a black psychology, que surgiu nos EUA nos anos 1960 a partir do trabalho de psicólogos negros como Wade Nobles e Naim Akbar, sendo a black psychology a construção de teorias e práticas em psicologia voltada tanto para o tratamento dos efeitos do racismo na subjetividade de pessoas negras, quanto para o resgate de cosmogonias africanas em vias da promoção de saúde e bem-estar emocional.

E o que chamo de psicologia preta não se restringe à black psychology, mas inclui a produção de conhecimento negro da diáspora africana pelo mundo. Diversos intelectuais negros e negras dedicaram-se à produção de conhecimento sobre saúde mental. Já na década de 1930 a psicanalista brasileira Virgínia Bicudo realizou uma vasta pesquisa com negros em São Paulo, que resultou na sua dissertação de mestrado “Atitudes Raciais de Negros e Mulatos em São Paulo”. O psiquiatra martinicano Frantz Fanon, em seu trabalho clínico e acadêmico, escreveu, nos anos 1940, o livro “Pele Negra, Máscaras Brancas”, referência nos estudos da saúde mental da população negra. Nos anos 1980, a psiquiatra e psicanalista brasileira Neusa Santos Souza escreveu o livro “Tornar-se Negro”, em que fez uma releitura de conceitos fundamentais da psicanálise a partir da experiência clínica com pessoas negras.

Desde que se formou, você acha que houve avanços nos currículos das graduações em psicologia?

Sim, acho que tivemos alguns avanços nas graduações. Principalmente em consequência das políticas afirmativas, como as cotas, que aumentaram a quantidade de estudantes negros nos cursos e, com isso, possibilitaram o fortalecimento ou mesmo o surgimento de coletivos negros nas universidades que vêm pressionando os departamentos a incluírem pensadores negros e negras nas bibliografias.

Mas essa inclusão ainda é pouco expressiva, tem acontecido por pressão, como efeito do movimento dos estudantes. Ainda depende muito da sensibilização dos professores pelo tema, não está institucionalizado, não entrou como ementa obrigatória na maioria dos cursos. Ainda há muito o que avançar.

Como é o curso Introdução à Psicologia Preta que você criou?

O curso surgiu a partir das minhas pesquisas teóricas e da minha experiência clínica. Quanto mais eu estudava e produzia conhecimento sobre as subjetividades negras, mais crescia em mim o desejo de partilha desses conhecimentos com outros profissionais. Organizei então um curso introdutório de oito horas de duração e ministrei pela primeira vez em janeiro de 2019, no Museu da República, no Rio de Janeiro. A partir daí, começaram a surgir muitos convites e viajei para vários estados, partilhei esses conhecimentos com cerca de quinhentos alunos e alunas em quinze edições do curso.

Foi uma experiência de cura. Os relatos que recebo das pessoas que participaram são que o curso mudou a vida delas, as fez olhar para o passado, para o presente e para o futuro de uma forma que ainda não haviam acessado, ampliou a compreensão delas sobre suas questões de saúde mental, ampliou a escuta clínica delas para o atendimento de pacientes negros e negras.

É um curso em que abordo não só os efeitos do racismo nas subjetividades, mas especialmente os caminhos de promoção de saúde e as estratégias para a afirmação plena da existência de pessoas negras. A última turma foi em novembro do ano passado, mas o curso agora está disponível online no meu site. Preparei o módulo 2 do curso e estava com agenda em várias cidades no primeiro semestre de 2020, mas a pandemia impediu a realização. Pretendo ministrar presencialmente o módulo 2 tão logo a imunização se efetue.

Quais são os principais problemas que os pacientes, homens e mulheres negros, levam ao consultório?

As questões são muito singulares. Quando a gente fala em saúde mental da população negra não se trata de uma homogeneização, pelo contrário, se trata da afirmação da diferença e da singularidade no seio de uma coletividade que passa por experiências semelhantes no que se refere à violência racial. Cada pessoa experimenta e elabora as suas vivências à sua maneira, ainda que haja efeitos do racismo que se apresentam de forma semelhante em muitas pessoas.

Uma das questões que é muito presente na clínica com pessoas negras é a sensação de se sentirem sem lugar, não pertencentes aos espaços, não valorizados. E a sensação de não pertencimento pode atrapalhar a pessoa nos processos de trabalho e nas relações afetivas, como também pode ser usado como motor para a criação de espaços e relações em que se possa se sentir pertencente e valorizado como pessoa. Então, como cada pessoa lida com os impactos do racismo é sempre singular, ainda que os efeitos sejam sobre a coletividade.

Outra questão bastante presente é certo silenciamento sobre experiências de violência racial. Muitos pacientes revisitam cenas de racismo pela primeira vez quando entram em análise e esse processo de se encontrar com as feridas raciais é muito doloroso, ao mesmo tempo em que olhar pra essas feridas é caminho para tratá-las e para criar ou fortalecer um senso de valor próprio, de autoestima, de coragem, de beleza, de criação de modos de ser, estar, sentir, desejar e pensar inéditos.

O problema é que eu já ouvi mais de uma vez de pacientes negros e negras que fizeram terapia com profissionais brancos que não se sentiam escutados, que por vezes precisavam explicar o porquê do seu sofrimento com determinada situação e que isso era exaustivo. Já tive paciente que ouviu de outro terapeuta que o racismo não existe. E isso diz tanto da formação em psicologia no Brasil, quanto dos efeitos do racismo nas pessoas brancas que pode passar por se experimentarem como não tendo racialidade, de acharem que não têm responsabilidade sobre o racismo estrutural ou de terem muita dificuldade em se relacionar com tudo aquilo que não é espelho, dentre outros efeitos.

O encontro de um profissional negro com um paciente negro restabelece o senso de pertencimento que eu havia falado anteriormente. Gosto de pensar a clínica como um espaço de aquilombamento. Os quilombos foram espaços em que era possível para os africanos viverem com liberdade, era possível entrar em contato com as tecnologias ancestrais de preservação da vida, da natureza, das relações humanas.

Movimentos como o Black Lives Matter, além de denunciar a violência contra a população negra, também têm efeitos positivos na saúde mental nessa população?

Sim. O Black Lives Matter surge como uma maneira de denunciar e combater a violência policial contra a população negra. As pessoas negras estão constantemente sob a iminência de sofrer algum tipo de violência. Para um policial matar um homem que já está rendido e algemado, como no caso do George Floyd, é preciso muito ódio. O afeto que conduz a violência racial é o afeto de ódio. E o racismo se manifesta de muitas maneiras, como quando uma pessoa branca atravessa a rua ou segura a bolsa quando vê uma pessoa negra se aproximando, quando a pessoa negra é perseguida por um segurança no mercado, até chegar ao extremo do homicídio. E isso, sem dúvida, tem reflexo na saúde mental da população negra.

Quando esse ódio que é projetado sobre os corpos e as subjetividades negras é introjetado pode resultar num doloroso processo de auto ódio. Essa engrenagem subjetiva de introjetar o sentimento do outro como sendo seu é muito semelhante ao que se dá com uma vítima de abuso. Por vezes, a vítima sente-se culpada pelo ocorrido, sendo que esse sentimento de culpa deveria ficar com o abusador. Culpa e auto ódio se atravessam na experiência de elaboração do trauma de uma violência.

Para isso não acontecer, para a pessoa negra não introjetar o ódio racial que é projetado sobre ela, é preciso devolvê-lo para as instituições, devolver para o abusador a responsabilidade pela violência. O Black Lives Matter faz isso. A organização coletiva da população negra tem esse efeito de devolução, de enfrentando ao racismo, de afirmação da sua dignidade e humanidade tanto através dos movimentos sociais, quanto por meio das produções de conhecimento, das produções artísticas. A pessoa deixa a posição de auto ódio para passar a uma posição de empoderamento.

Algumas pesquisas mostram que a pandemia da Covid causou mais mortes entre os infectados negros. De que forma você acha que a pandemia também afeta a saúde mental da população negra?

A pandemia escancarou uma questão anterior a ela, fez a gente olhar de uma nova forma uma realidade que já estava na nossa cara, como a precariedade do acesso à saúde. Saúde mental e saúde física não são coisas separadas. Se a gente for pensar comorbidades que podem agravar a infecção pelo coronavírus, como diabetes e hipertensão, por exemplo, a gente percebe que é predominante na população negra. Por quê? Diabetes e hipertensão são mais comuns nas pessoas negras periféricas, que têm menos acesso à saúde e que enfrentam diariamente experiências altamente estressantes tanto devido à precariedade material, quanto ao contato mais constante com a violência do Estado.

As vivências estressantes liberam cortisol na circulação sanguínea, o hormônio do estresse, e o cortisol aumenta a produção de glicose. Considerando o contato permanente com situações altamente estressantes, a produção excessiva de glicose oriunda disso pode levar ao surgimento de doenças como diabetes e hipertensão. Pesquisas indicam que a população negra teria predisposição genética para essas doenças, mas predisposição não é determinante, o que vai definir se a pessoa vai desenvolver ou não a doença é o ambiente em que ela está inserida. Além disso, o adoecimento mental da população negra, como os transtornos de ansiedade e a depressão estão, na maioria dos casos, relacionadas diretamente com o racismo.

Levando essas questões em consideração, não dá para promover saúde mental sem promover distribuição de renda e melhoria da qualidade geral de vida da população negra.

Para quem quer aprender mais sobre o que o racismo pode provocar na saúde mental das pessoas, que trabalhos você indica?

Como leitura introdutória sugiro o livro “Tornar-se Negro”, publicado pela psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza, em 1983.

Também indico o trabalho do Instituto Amma – Psique e Negritude, fundado pela Maria Lucia Silva juntamente com outras psicólogas negras. O instituto oferece formação e atendimentos clínicos.

No meu site (descolonizando.com) disponibilizo textos, artigos e vídeos sobre o tema, bem como o curso Introdução à Psicologia Preta.

]]>
0