Saúde Mental https://saudemental.blogfolha.uol.com.br Informação para superar transtornos e dicas para o bem-estar da mente Tue, 14 Dec 2021 02:30:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Pensamentos intrusivos afetam mais pessoas com TOC e podem levar a abuso de substâncias, explica psiquiatra https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/pensamentos-intrusivos-afetam-mais-pessoas-com-toc-e-podem-levam-a-abuso-de-substancias-explica-psiquiatra/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/pensamentos-intrusivos-afetam-mais-pessoas-com-toc-e-podem-levam-a-abuso-de-substancias-explica-psiquiatra/#respond Thu, 25 Nov 2021 10:00:19 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/lu2-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1302 Os pensamentos intrusivos são involuntários e fazem a pessoa acreditar que vai perder o controle de alguma forma.

Eles não correspondem à realidade nem aos desejos de quem os vivencia. Geralmente dão a impressão que o indivíduo vai cometer um ato que considera abominável, como ferir outra pessoa ou a si mesmo. Ou, ainda, se ele fizer ou deixar de fazer alguma coisa, algo catastrófico pode acontecer.

“É muito importante entender que pensamentos intrusivos são involuntários. As pessoas que os vivenciam normalmente sentem repulsa por eles”, ressalta a psiquiatra Flávia Batista Gustafson.

“Existem muitos tipos de pensamentos intrusivos, mas os tópicos comuns incluem pensamentos inadequados de cunho sexual, pensamentos sobre relações interpessoais, com conteúdo de traição, por exemplo, pensamentos religiosos que são opostos e inadmissíveis pela crença da pessoa, e pensamentos relacionados a violência contra outras pessoas ou si mesmo”, explica.

Apesar de poderem afetar qualquer pessoa, são mais comuns em quem tem transtornos como ansiedade, estresse pós-traumático e especialmente TOC (transtorno obsessivo-compulsivo).

“Essas pessoas [com TOC] também têm maior probabilidade de passar mais tempo pensando sobre as implicações desses pensamentos e são mais propensas a superestimar a probabilidade dos resultados temidos se vierem a se concretizar, o que acaba por retroalimentar o problema. Forma-se um ciclo vicioso em que os pensamentos intrusivos estão sempre voltando, o que causa muito sofrimento”, conta Gustafson.

Com a pandemia da Covid-19 mais controlada e a volta do trabalho presencial e dos eventos sociais, é comum que pessoas que já tinham pensamentos intrusivos anteriormente fiquem mais vulneráveis a eles.

“Os pensamentos intrusivos a respeito da contaminação pelo vírus da Covid-19 ou até outras doenças podem ser amplificados, e a pessoa pode experimentar grande sofrimento ao se ver obrigada a frequentar círculos profissionais e sociais novamente”, observa.

Sem um tratamento adequado, quem enfrenta esse fenômeno pode acabar recorrendo ao uso de álcool e outras drogas para tentar distrair a mente. “A pessoa se ‘medica’ com o álcool, ou menos frequentemente com outras drogas ilícitas, em busca de um relaxamento e alívio momentâneo dos sintomas”, diz Gustafson.

“O problema é exatamente esse: um alívio momentâneo. A seguir vem a parte indesejada, que é a piora dos sintomas. A pessoa então passa a ingerir mais álcool para voltar a sentir-se aliviada, levando a um perigoso abuso e uma potencial dependência, o que consequentemente adiciona uma nova camada de problemas para se lidar.”

Leia a seguir a entrevista com a psiquiatra.

O que são pensamentos intrusivos e como eles surgem?
Pensamentos intrusivos são pensamentos indesejados que aparecem do nada. Eles podem ser desencadeados por estresse do dia a dia, mas também podem ser sintomas de um transtorno mental. Geralmente eles são desagradáveis e até perturbadores, o que pode fazer com que as pessoas não procurem ajuda num primeiro momento por se sentirem envergonhados por esses pensamentos.

Os pensamentos intrusivos são involuntários e não têm relação com a realidade ou os desejos de uma pessoa. As pessoas não agem de acordo com esses pensamentos, muito pelo contrário, elas geralmente os consideram horríveis e inaceitáveis.

Esses pensamentos podem ser persistentes e causar angústia significativa em algumas pessoas. Frequentemente, quanto mais as pessoas tentam se livrar desses pensamentos, mais eles persistem e mais intensos se tornam.

Você poderia citar um exemplo de pensamento intrusivo que seja comum?
É muito importante entender que pensamentos intrusivos são involuntários. As pessoas que os vivenciam normalmente sentem repulsa por eles.

Existem muitos tipos de pensamentos intrusivos, mas os tópicos comuns de pensamentos intrusivos incluem: pensamentos inadequados de cunho sexual, pensamentos sobre relações interpessoais, com conteúdo de traição, por exemplo, pensamentos religiosos que são opostos e inadmissíveis pela crença da pessoa, e pensamentos relacionados a violência contra outras pessoas ou si mesmo.

Os pensamentos intrusivos são comuns em transtornos como ansiedade, estresse pós-traumático, transtorno bipolar e TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Por que os pacientes diagnosticados com esses transtornos costumam ter esse tipo de pensamento?
Pessoas com diagnóstico de transtornos mentais (nesse caso, principalmente aquelas com TOC) têm maior probabilidade de julgar seus pensamentos intrusivos como maus, imorais ou perigosos.

Essas interpretações geralmente levam a uma forte reação emocional negativa, o que amplifica a força percebida dos pensamentos intrusivos, elevando assim o foco sobre eles.

Essas pessoas também têm maior probabilidade de passar mais tempo pensando sobre as implicações desses pensamentos e são mais propensas a superestimar a probabilidade dos resultados temidos se vierem a se concretizar, o que acaba por retroalimentar o problema. Forma-se um ciclo vicioso em que os pensamentos intrusivos estão sempre voltando, o que causa muito sofrimento.

Qual é a diferença entre pensamento intrusivo, alucinação e delírio?
As alucinações e delírios são sintomas bastante diferentes dos pensamentos intrusivos, e costumam estar presentes em transtornos psicóticos.

As alucinações podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial (auditiva, visual, olfativa, gustativa e tátil), mas as auditivas são de longe as mais comuns. É uma percepção que parece completamente real para a pessoa, mas que não está acontecendo. As alucinações auditivas são geralmente experimentadas como vozes, familiares ou não familiares, que são percebidas como distintas dos próprios pensamentos da pessoa.

A definição de delírio é um pouco diferente, embora também envolva a experiência de algo que parece real, mas não é. É uma crença obviamente falsa, mas mesmo assim o indivíduo que a experimenta pensa que é absolutamente verdadeira. Essa pessoa vai acreditar firmemente no delírio, mesmo quando repetidamente mostradas evidências contrárias.

Tanto as alucinações quanto os delírios são distúrbios, na realidade. São experiências que parecem reais para quem está sofrendo com elas, mas não têm conexão com a realidade.

Agora, com a pandemia mais controlada, as pessoas estão retomando o trabalho presencial e os eventos sociais. É comum que algumas pessoas tenham pensamentos intrusivos por medo de contaminação por Covid-19? Ou mesmo por que ficaram muito tempo em isolamento e estão enfrentando uma espécie de agorafobia?
Certamente. As pessoas que já sofriam com pensamentos intrusivos antes da pandemia agora estão muito mais vulneráveis à medida que o mundo vai se abrindo novamente ao “novo normal”.

Os pensamentos intrusivos a respeito da contaminação pelo vírus da Covid-19 ou até outras doenças podem ser amplificados, e a pessoa pode experimentar grande sofrimento ao se ver obrigada a frequentar círculos profissionais e sociais novamente.

Muitas dessas pessoas encontraram um certo conforto emocional na situação de isolamento e do home office durante a fase mais crítica da pandemia e podem sentir muita dificuldade em enfrentar o mundo novamente.

É comum uma pessoa que tenha pensamentos intrusivos e que ainda não tenha tido um diagnóstico correto recorra ao uso de drogas e álcool? Quais são os perigos que essa prática pode acarretar?
Quando falamos em pensamento intrusivos que causam muito sofrimento, sempre lembramos do risco aumentado do abuso de substâncias, especialmente o álcool.

A pessoa se “medica” com o álcool, ou menos frequentemente com outras drogas ilícitas, em busca de um relaxamento e alívio momentâneo dos sintomas.

O problema é exatamente esse: um alívio momentâneo. A seguir vem a parte indesejada, que é a piora dos sintomas. A pessoa então passa a ingerir mais álcool para voltar a sentir-se aliviada, levando a um perigoso abuso e uma potencial dependência, o que consequentemente adiciona uma nova camada de problemas para se lidar.

Com um diagnóstico correto e tratamentos com psiquiatra e psicólogo é possível controlar esses pensamentos?
Pensamentos intrusivos nem sempre são o resultado de uma condição médica. Aliás, a maioria das pessoas os têm de vez em quando. No entanto, para muitas pessoas, pensamentos intrusivos podem, sim, ser um sintoma de um problema de saúde mental, como TOC ou o transtorno de estresse pós-traumático.

Esses pensamentos também podem ser um sintoma de problemas neurológicos, como uma lesão cerebral, demência ou mal de Parkinson, por exemplo. Por isso um diagnóstico bem feito é imperativo.

A melhor maneira de gerenciar pensamentos intrusivos é reduzir a sensibilidade da pessoa a esses pensamentos e seu conteúdo. O tratamento vai ser individualizado a cada pessoa, mas, em linhas gerais, o médico psiquiatra vai fazer o diagnóstico e prescrever a medicação mais indicada.

Paralelamente, é fundamental a abordagem com a psicoterapia, sendo a TCC (terapia cognitivo comportamental) a mais indicada. Por último, e não menos importante, a pessoa deve ser orientada a seguir um estilo de vida saudável, com alimentação nutritiva, atividade física e higiene do sono, o que vai somente agregar ao seu bem-estar geral.

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Sensação de exclusão pode acarretar problemas de saúde mental a pessoas com deficiência, afirma psicólogo https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/sensacao-de-exclusao-pode-acarretar-problemas-de-saude-mental-a-pessoas-com-deficiencia-afirma-psicologo/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/sensacao-de-exclusao-pode-acarretar-problemas-de-saude-mental-a-pessoas-com-deficiencia-afirma-psicologo/#respond Fri, 29 Oct 2021 10:00:16 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/e4e8662cab9df8da66bb422602fdbf413b019b470d0c0ada7cec9f2971b32054_5e1cc3d6932c2-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1276 A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada em agosto deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostrou que 17,3 milhões de brasileiros com dois anos ou mais tinham alguma deficiência em 2019. O número equivale a 8,4% da população nessa faixa etária.

Segundo o IBGE, apenas 28,3% das pessoas com deficiência e em idade de trabalhar (14 anos ou mais) estavam na força de trabalho nessa época. Entre as pessoas sem deficiência, o percentual era superior, de 66,3%.

A força de trabalho é o conceito que reúne tanto os profissionais empregados (ou ocupados) quanto os desempregados (ou desocupados, que seguem em busca de novas vagas).

Para o psicólogo Flavio Vaz de Oliveira, fundador da plataforma Buscoterapia, a sensação de exclusão pode acarretar problemas à saúde mental das pessoas com deficiência.

“O sentimento de não pertencimento facilita o aumento de estresse, surgimento de ansiedade e de sintomas depressivos“, observa Flavio.

Além da menor participação no mercado de trabalho, uma das formas de exclusão das pessoas com deficiência é a falta de acessibilidade nas cidades, tanto em locais públicos como privados.

“A realidade é que nossas cidades são malconservadas, ruas esburacadas, calçadas quebradas. Para uma pessoa que não tem deficiência já é um desafio conseguir andar tranquilamente sem ter de olhar para o chão e não tropeçar. Pense, então, na dificuldade de uma pessoa com mobilidade reduzida. A falta de acessibilidade prejudica a qualidade de vida dessas pessoas. Imagine uma pessoa com deficiência visual ou um cadeirante desviando de buracos na calçada para andar, é uma missão quase impossível”, afirma.

A acessibilidade vai além de somente ter rampas de acesso ou caixas preferenciais. Ela tem de ser realizada inclusive na forma de atendimento às pessoas com deficiência. Esse é o trabalho da Inclue, uma startup fundada por duas pessoas com deficiência, Sonny Pólito e Rodrigo Piris. Devido a experiências ruins de consumo no varejo, eles decidiram lançar uma ferramenta de treinamento e um aplicativo para o público PCD (pessoas com deficiência) e também pessoas acima dos 60 anos, que podem ter mobilidade reduzida.

“Acessibilidade é um direito de todos os cidadãos. E as marcas não estão preparadas para atender as pessoas com deficiência e idosos e ainda não oferecem a elas uma boa experiência de compra. Isso faz com que tenham muitos obstáculos para consumir e pouco acesso ao varejo”, diz Pólito.

“O atendimento ajuda as pessoas com deficiência, por exemplo, a pegar os produtos que precisam, passar no caixa, acompanhar até o carro”, ressalta Piris.

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Estudo da Unifesp aponta alto consumo de álcool entre idosos https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/estudo-da-unifesp-aponta-alto-consumo-de-alcool-entre-idosos/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/estudo-da-unifesp-aponta-alto-consumo-de-alcool-entre-idosos/#respond Fri, 15 Oct 2021 13:40:06 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/4a8a0fafb79ccefb084f2808d7c25f219f6cfdf004f8ba55c93c6179d039d032_5ae6c0011da91-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1245 Agência Fapesp – Estudo conduzido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) indica que aproximadamente um em cada quatro brasileiros (23,7%) com 60 anos ou mais consome álcool. Além disso, 6,7% (aproximadamente 2 milhões de idosos) relatam ter ingerido no último mês várias doses em uma ocasião –padrão de consumo abusivo conhecido como “binge drinking”, ou seja, o uso excessivo de uma só vez. E 3,8% (mais de 1 milhão) costumam beber, em uma semana típica, quantidades que podem colocar em risco sua saúde.

Para estimar a prevalência dos padrões de consumo de álcool da população geral idosa, o grupo da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) fez uma análise dos dados da linha de base do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), com uma amostra de 5.432 brasileiros acima de 60 anos. Também se buscou avaliar os padrões de consumo de álcool em idosos da atenção primária (primeiros atendimentos médicos). Para isso, foram utilizados dados da triagem inicial do ensaio clínico realizado em sete Unidades Básicas de Saúde (UBS) com 503 participantes.

Em ambos os estudos foram identificados fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde associados aos diferentes padrões de consumo. A ingestão de álcool foi mais comum na região Sudeste e na atenção primária, quando comparada à população idosa geral. Em ambos os grupos estudados (idosos em geral e atenção primária), os homens relataram maior consumo de álcool (tanto em quantidade quanto em relação ao consumo no padrão “binge”), bem como os mais jovens e aqueles com maior escolaridade.

Financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por meio do projeto temático “Intervenções inovadoras frente a problemas relacionados ao consumo do álcool no Brasil: busca de novas abordagens para uma antiga questão de saúde pública”, a pesquisa e seus desdobramentos foram recentemente publicados nos periódicos científicos Substance Use & Misuse e BMJ Open.

De acordo com Tassiane de Paula, primeira autora dos artigos, “é fundamental entender esse problema para propor estratégias para redução do consumo de álcool entre os idosos”.

Intervenção de baixo custo 
O grupo desenvolveu uma proposta de Intervenção Breve para Idosos (IBI) e elaborou um protocolo para testar a efetividade dessa intervenção na atenção primária, administrada por agentes comunitários de saúde, com apenas 6% de recusa entre os primeiros 80 participantes recrutados.

“As evidências sugerem que intervenções breves são eficazes na redução do consumo de álcool entre adultos mais velhos. No entanto, a eficácia dessas intervenções quando realizadas por agentes comunitários de saúde em um ambiente de atenção primária à saúde é desconhecida. Até onde sabemos, este será o primeiro ensaio clínico randomizado a examinar isso”, escreveram as pesquisadoras no artigo publicado.

Duzentos e quarenta e dois indivíduos considerados bebedores de risco serão recrutados e alocados aleatoriamente para receber o atendimento usual (lista de espera) ou atendimento usual mais uma intervenção breve realizada por agentes comunitários de saúde treinados em UBS que fazem parte do SUS (Sistema Único de Saúde).

O estudo Alcohol and ageing: rapid changes in populations present new challenges for an old problem pode ser lido em aqui.

E o artigo Brief interventions for older adults (BIO) delivered by non-specialist community health workers to reduce at-risk drinking in primary care: a study protocol for a randomised controlled trial está disponível em aqui.

Com informações da Assessoria de Comunicação da Unifesp.

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É possível ter um transtorno psicológico e viver bem, diz psicóloga Ana Gabriela Andriani https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/10/10/e-possivel-ter-um-transtorno-psicologico-e-viver-bem-diz-psicologa-ana-gabriela-andriani/#respond Sun, 10 Oct 2021 10:00:18 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/WhatsApp-Image-2021-10-09-at-12.42.10-300x215.jpeg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1208 O que é ter saúde mental? Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), a saúde mental é um estado de equilíbrio psíquico, físico e que envolve questões sociais. Não é definida apenas pela ausência de uma doença.

A psicóloga Ana Gabriela Andriani concorda com esse conceito. “É possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização”, observa.

Andriani ressalta que todos nós, tendo ou não um diagnóstico de transtorno mental, sofremos oscilações emocionais ao longo da vida. Para evitar as crises, quando for necessário, é preciso buscar tratamento medicamentoso com um psiquiatra e fazer psicoterapia.

Ela explica que a terapia é um caminho para o autoconhecimento. “É um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.”

Neste domingo (10) é celebrado do Dia Mundial da Saúde Mental. A data foi criada em 1992 por iniciativa da Federação Mundial para Saúde Mental com o objetivo de educar e conscientizar a população sobre a importância do tema e diminuir o estigma social.

Na entrevista a seguir, a psicóloga fala sobre a ideia que temos a respeito do que é uma mente sã e sobre os impactos culturais e históricos no psicológico da sociedade.

A depressão já foi chamada de “mal do século”. Atualmente, o burnout tem sido associado à geração millennial (pessoas nascidas entre 1980 e 1995). Como você vê essa relação entre transtornos e gerações? 
Sem dúvida existe uma correlação entre o momento social e histórico e os transtornos psíquicos que são produzidos ali. Porque os transtornos psíquicos são constituídos a partir das condições de vida das pessoas, da cultura da sociedade e do que acontece ali em termos sociais. Então, por exemplo, na época do Sigmund Freud (1856-1939), que era uma época de grande repressão sexual, o transtorno mais comum, ao qual ele de dedicou a estudar, era a histeria. Em períodos pós-guerra, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), surgiam neuroses de guerra, que são caracterizadas por depressão e por grandes traumas. Hoje, num momento que a gente tem uma cultura que valoriza muito a aceleração e a alta performance, a gente vê crises de ansiedade, burnout e crises de pânico como sendo os transtornos mais vigentes.

Agora, para a gente conseguir elaborar, simbolizar o está vivendo, a gente precisa se conhecer. Saúde psíquica também tem a ver com autoconhecimento. Porque o autoconhecimento amplia a nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos e sobre o mundo, sobre as nossas relações, sobre tudo que a gente está vivendo.

Receber um diagnóstico de transtorno psicológico pode ser um baque para algumas pessoas. É possível continuar tendo uma vida feliz e equilibrada mesmo convivendo com um transtorno e tendo que tomar medicações para o resto da vida? 
Sim, é possível ter um transtorno ou um distúrbio de personalidade e ter uma vida equilibrada. Considerando que uma vida equilibrada não significa uma vida sem momentos de desestabilização, de tristeza e de desorganização.

É importante considerar que a gente vai oscilar emocionalmente ao longo da vida. Em quem tem um transtorno ou um distúrbio de personalidade também vai sofrer oscilações. Mas é possível evitar uma crise expandida ou mesmo viver crises com o uso de medicamentos receitados por um psiquiatra. Mas não só isso. Também por meio da realização de uma psicoterapia, que é um trabalho em que a pessoa vai poder se conhecer melhor, entender o que está sentindo, o que se passa com ela e qual é o sentido disso que está acontecendo com ela, de onde veio isso. E aí ela vai conseguir elaborar e pensar também como reagir.

É importante dizer que o remédio sozinho não vai dar conta de tornar uma pessoa mais saudável. Ele é muito importante porque traz uma estabilidade, mas é o trabalho de psicoterapia que vai propiciar à pessoa se conhecer melhor, expandir sua capacidade de pensar sobre ela mesma, sobre o que está vivendo, e é isso que vai poder transformá-la.

Com a pandemia da Covid-19, o assunto saúde mental está sendo muito debatido. Você acha que a visibilidade que o tema tem recebido tem ajudado a diminuir o estigma em relação aos transtornos psicológicos? Ou ainda temos muito caminho pela frente? 
Acredito que sim, que os assuntos relacionados à saúde mental e aos transtornos psicológicos têm sido mais divulgados. Por exemplo, neste ano e no ano passado, por conta da pandemia, falou-se bastante sobre crises de casais, sobre relações familiares, sobre burnout, crises de pânico. Vários psicólogos se disponibilizaram a fazer atendimentos gratuitos.

Acho que o tema tem sido mais debatido e as pessoas têm tido mais informações sobre isso, o que é muito bom, porque as pessoas passam a ter uma ideia de que elas não precisam só cuidar do corpo, elas precisam cuidar também da saúde mental.

Aliás, faz parte do conceito saúde esse entrelaçamento entre corpo e psique. Acredito que tanto as empresas como área do esporte, todas essas instâncias têm se voltado mais para o cuidado com a saúde mental.

Casos como o da atleta Simone Biles, que deixou de disputar algumas provas nas Olimpíadas para priorizar a saúde mental, jogam uma luz sobre a necessidade de as pessoas respeitarem seus momentos. Você acha que estamos no fim da era do “trabalhe enquanto eles dormem”? 
O que vêm mudando é que tanto as instituições como as pessoas vêm percebendo a grande necessidade de cuidar da saúde mental. Estão percebendo que essas questões relacionadas à saúde mental não podem ser deixadas de lado, porque senão a pessoa que está lá na empresa não trabalha, o atleta não tem bom desempenho, ninguém consegue ficar com uma sensação de bem-estar e viver suas vidas de forma mais saudável.

Acho que a gente vive tempos em que é exigido alta performance, alto desempenho, até uma perfeição do corpo, do trabalho, do cuidado com os filhos e uma aceleração. Tudo isso é naturalmente produtor de ansiedade. Acho que isso não vai mudar, pelo menos por enquanto. A gente vive numa sociedade com essas características.

O que eu tenho impressão que vem mudando é a necessidade de cuidado com a saúde mental atrelado ao trabalho, atrelado à alta performance e ao bom desempenho. Então, por exemplo, no esporte, vem se percebendo a necessidade de se cuidar, de saber como esse atleta está emocionalmente nas suas relações familiares, de como ele está em termos de ansiedade, e das necessidades emocionais dele para que ele consiga estar bem para desempenhar um bom trabalho. Não é que agora vai ser cuidar da saúde mental e deixar a questão do desempenho de lado. A questão, e acho que essa é a grande mudança, é que vamos cuidar das duas coisas ao mesmo tempo, o psicológico atrelado ao físico e ao trabalho, ao desempenho profissional de maneira geral.

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Usamos só 10% da mente? Criamos um hábito em 21 dias? Neurocientista explica mitos sobre o cérebro https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/08/usamos-so-10-da-mente-criamos-um-habito-em-21-dias-neurocientista-explica-mitos-sobre-o-cerebro/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/09/08/usamos-so-10-da-mente-criamos-um-habito-em-21-dias-neurocientista-explica-mitos-sobre-o-cerebro/#respond Wed, 08 Sep 2021 10:00:17 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/fb2a7c61f73bdd5965ed055285ca32453404979bb9315c051cf4ff218f189803_5ae0430a40aee-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=1015 O cérebro é o principal órgão do sistema nervoso. Quando afetado por uma lesão, pode comprometer diferentes capacidades como a fala, a visão, a memória e até mesmo o comportamento.

Essa estrutura tão complexa, formada por cerca de 86 bilhões de neurônios, ainda é um mistério para médicos e cientistas. Com o avanço das pesquisas na neurociência, boa parte das certezas que os especialistas tinham há alguns anos sobre seu funcionamento não é mais válida atualmente.

O neurocientista Andrei Mayer, professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e administrador  do canal do Youtube A culpa é do cérebro, ajuda a desvendar alguns mitos sobre o cérebro.

É verdade que usamos apenas 10% da nossa capacidade mental?
Esse é um dos maiores mitos da neurociência. Todos nós usamos 100% do cérebro. O sistema nervoso é muito custoso para o corpo do ponto de vista de gasto energético. Então não faria sentido usar somente 10% dele.

Inclusive, em alguns quadros clínicos, como quando a pessoa nasce cega ou fica cega, a região do cérebro que antes processava informação visual, passa a ser usada para outro fim, para processar outras informações.

Isso explica por que cegos têm maior capacidade de discriminação tátil nos dedos, por exemplo. Em parte porque eles treinaram para ler em braile, mas entende-se também que isso pode acontecer porque a área do cérebro que deveria processar informação visual agora processa outro tipo de informação. No caso, as informações vindas do toque dos dedos.

Então mesmo quando uma área que deveria ser usada para um fim, se ela não estiver sendo usada, ela vai ser usada para outra função Ou seja, a gente usa 100% do cérebro de um jeito ou de outro.

Mas é importante fazer uma ressalva: a gente usa 100% do cérebro, no entanto existe um mecanismo muito bonito no sistema nervoso que faz com que a gente priorize o processamento de uma informação em detrimento de outras. A gente chama isso de atenção.

Quando a gente está prestando atenção em alguma coisa, o que o cérebro faz é priorizar o processamento dessa informação. Então, ao mesmo tempo que aumenta o processamento de uma coisa, inibe o restante. O que é bem custoso para o cérebro em vários aspectos, do ponto de vista energético também. Então, de certa maneira, a gente não tem o cérebro superativo, ele está priorizando uma coisa ou outra, dependendo do que você está fazendo.

Nesse sentido, a gente não está superativando o cérebro todo ao mesmo tempo, mas isso não quer dizer que a gente não usa o cérebro todo.

É verdade que os homens usam mais o lado esquerdo do cérebro, enquanto as mulheres usam mais o lado direito?
Mito. A gente não pode dizer que os homens usam mais um lado e as mulheres o outro. Na verdade, a gente não pode dizer isso sobre pessoa nenhuma. A gente usa o cérebro todo. Ninguém, homem ou mulher, usa mais um hemisfério do que o outro.

O que pode acontecer é que algumas funções possuem lateralidade, ou seja, um dos hemisférios do cérebro está mais envolvido no processamento dessa função do que o outro.

A linguagem, por exemplo, está bastante relacionada com o hemisfério esquerdo. Nas áreas relacionadas com o processo auditivo e vocal da linguagem, de compreensão, de fala, o processamento normalmente ocorre mais no hemisfério esquerdo. Mas isso varia até se a pessoa é destra ou canhota. Na pessoa destra, você pode encontrar uma preferência do hemisfério esquerdo, uma taxa de 95%, e o canhoto é algo em 70%.

Então existe uma lateralidade de algumas funções sim, como a linguagem. No entanto, existe uma variabilidade de acordo com a pessoa. Mas a gente não pode dizer que pessoa nenhuma, seja homem ou mulher, usa mais um hemisfério do que o outro.

As diferenças entre cérebro masculino e feminino são muito discutidas na literatura. E essa história de ter diferenças do ponto de vista anatômico e funcional, se as conexões são diferentes, se o cérebro do homem tem mais facilidade para uma coisa e o da mulher para outra, vem caindo por terra há bastante tempo.

Não dá mais para a gente afirmar que tem diferença, que homem é melhor com raciocínio espacial e mulher é melhor com linguagem, por exemplo. Isso vem sendo refutado, porque nas ciências essas coisas levam tempo, né? São evidências em cima de evidências.

Porém, atualmente, existem trabalhos que mostram que há diferenças do cérebro do homem e da mulher em relação à lateralidade. Inclusive, em relação às regiões que estão mais ou menos conectadas entre os hemisférios. Há evidências mostrando que nos homens, certas áreas, por exemplo, envolvendo controle motor, estão mais conectadas. E no cérebro das mulheres são outras regiões mais envolvidas com criatividade e intuição.

Mas é preciso tomar muito cuidado ao interpretar esses dados. Primeiro, porque não quer dizer que vai ser assim por causa do sexo. Às vezes, é um reflexo cultural, em que aqueles cérebros se desenvolveram ao longo dos anos. E, segundo, não quer dizer que isso vai refletir numa diferença funcional de fato. Mesmo que a gente veja ali uma evidência de diferença de conexões, não quer dizer que um cérebro vai ter realmente mais facilidade para uma coisa do que para outra.

Um vi uma metanálise recente –que é aquele tipo de estudo que faz uma análise estatística de outros estudos e chega a uma conclusão– que mostrou que não há diferenças. As diferenças que são encontradas entre os cérebros de homens e mulheres estão mais relacionadas ao tamanho do órgão, o que pode variar de indivíduo para indivíduo também, independentemente se for homem ou mulher.

E parece que essas diferenças que são encontradas não têm nada a ver com sexo. Então essa história de haver um dimorfismo, que é a diferença na morfologia, na estrutura entre mulher e homem, parece que não é bem assim, não.

Eu diria que esse é um ponto muito debatido e que na altura em que nós estamos dessa discussão, nós não podemos afirmar que existem diferenças anatômicas e funcionais entre o cérebro da mulher e o do homem. Ainda que haja uma evidência ou outra para isso, há também evidências de que não é assim. Então a gente não pode afirmar.

É verdade que precisamos de 21 dias para criar um hábito?
Mito. Essa história surgiu com um médico cirurgião-plástico americano chamado Maxwell Maltz, que na  década de 1960 observou que seus pacientes demoravam 21 dias para se acostumar com uma mudança no corpo. Mas isso não foi um estudo científico e não tem nada a ver com criar um hábito. Acho que foi daí que surgiu esse telefone sem fio.

Formação de hábito é um aprendizado. Assim como andar de bicicleta, qualquer aprendizado depende de mudanças que acontecerem no cérebro, e essas mudanças são afetadas por diversos fatores, como foco atencional, sono, motivação e número de repetições. O tempo que leva para formar um hábito varia muito, pode ser menos de 21 dias ou muito mais.

Há um trabalho muito citado, de uma pesquisadora chamada Phillippa Lally, da University College London, na Inglaterra, que mostra que criar um novo hábito pode variar de 18 a 254 dias.

É verdade que os testes de QI medem a inteligência de uma pessoa precisamente?
Mito. Já existe um grande debate na literatura científica sobre isso, muita crítica sobre os testes de QI por vários motivos. Um dos principais é que, do ponto de vista do cérebro, a gente não tem uma grande inteligência, a gente tem vários circuitos envolvidos para processar vários tipos de informação que correspondem com tipos de inteligencia.

Um exemplo que gosto de dar é sobre a capacidade de comunicação com as outras pessoas, a escrita ou a oral. Isso envolve circuitos específicos do cérebro, não é uma tarefa simples.

Quando você está falando com alguém, você tem que pensar em tudo o que você vai falar. Você está processando o que a pessoa vai entender, o que ela vai pensar, o que ela vai sentir, o que é melhor dizer, o que é melhor não dizer. Isso é um tipo de inteligência que a gente pode chamar de social, digamos assim, e envolve circuitos diferentes daqueles que a pessoa usa para jogar futebol ou controlar os movimentos do corpo, por exemplo.

Esse negócio de um teste para medir a inteligência já caiu por terra há muito tempo. Tem trabalho muito impactante cientificamente, em que os pesquisadores fizeram uma série de avaliações com milhares de pessoas em relação à capacidade de memória, ao raciocínio, à atenção. Eles tentaram correlacionar isso com um teste de QI padrão e não encontrar relação nenhuma.

Ou seja, o teste não estava conseguindo prever nenhum tipo de inteligência cognitiva segundo essas avaliações de memória e atenção. Então há muitas controvérsias sobre o teste de QI.

Existem vários tipos de testes de QI. E, curiosamente, muitos dos que são utilizados atualmente são bem antigos, criados nas décadas de 1920 e 1930. Foram revisitados e sofreram algumas atualizações, mas de modo geral é importante lembrar que são testes criados há muitos anos. Eles avaliam alguns aspectos básicos da cognição, como habilidades verbais, raciocínio e memória.

É verdade que é possível aprender outras línguas enquanto a gente dorme?
Mito. Com certeza é um mito. Não dá para aprender uma língua nova enquanto dorme. Mas devemos ressaltar que o sono é um processo muito importante para o aprendizado. Há uma série de eventos que acontecem no cérebro enquanto dormimos para consolidar na memória aquilo que aprendemos durante o dia. Porém, ele não é capaz de adquirir informações novas, num ambiente externo, enquanto estamos dormindo.

Não adianta nada botar um fone de ouvido enquanto dorme, com alguém falando outra língua, porque o cérebro vai estar num padrão de atividade totalmente diferente, que o impossibilita de registrar essas informações.

Mas, de fato, o sono é fundamental para o aprendizado. Uma pessoa que está dormindo mal vai ter sua capacidade de aprendizado muito prejudicada.

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Estudos utilizam matemática para desvendar significado dos sonhos durante a pandemia https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/12/estudos-utilizam-matematica-para-desvendar-significado-dos-sonhos-durante-a-pandemia/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2021/02/12/estudos-utilizam-matematica-para-desvendar-significado-dos-sonhos-durante-a-pandemia/#respond Fri, 12 Feb 2021 10:00:40 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/sonhos2-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=640 Luciana Constantino | Agência Fapesp – A pandemia da Covid-19 tem causado impacto no comportamento do brasileiro. Sentimentos como medo, apreensão, tristeza e ansiedade são parte do cotidiano de muitas famílias desde que os primeiros casos da doença começaram a ser registrados oficialmente no país, em fevereiro do ano passado.

Toda essa preocupação tem se refletido nos sonhos, que exprimem uma carga maior de sofrimento mental, temor de contaminação e até mesmo repercussões do isolamento social e da falta de contato físico com outras pessoas. Além disso, os sonhos neste período apresentaram maior proporção de termos ligados a “limpeza” e “contaminação” e de palavras relacionadas a “raiva” e “tristeza”.

A neurocientista Natália Bezerra Mota, pós-doutoranda no Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), lidera uma pesquisa que busca medir o impacto da pandemia por meio de estudo dos sonhos. O trabalho foi publicado na revista PLOS ONE, em 30 de novembro de 2020.

O estudo faz parte do projeto de pós-doutorado de Mota, supervisionado pelos pesquisadores Sidarta Ribeiro (UFRN) e Mauro Copelli, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que integram o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com sede na USP (Universidade de São Paulo).

Os resultados são consistentes com a hipótese de que os sonhos refletem os desafios de vigília apresentados pela pandemia da Covid-19 e que emoções negativas como raiva e tristeza são mais proeminentes durante o período pandêmico, refletindo uma maior carga emocional a ser processada, afirma o estudo.

Em entrevista à Agência Fapesp, Mota explica que estas conclusões foram corroboradas por outros artigos publicados posteriormente nos Estados Unidos, Alemanha e Finlândia.

A pesquisa brasileira já havia sido divulgada no fim de maio na plataforma medRxiv, em versão preprint, sem a revisão por pares. “Foi o primeiro estudo sobre o tema a ver empiricamente esses sinais de sofrimento mental e a associação deles com as peculiaridades dos sonhos na pandemia”, completa a neurocientista.

Sidarta Ribeiro destaca que a pesquisa conseguiu documentar a continuidade entre o que o acontece no mundo onírico e na vida mental das pessoas (o sofrimento psíquico). “Isso é interessante do ponto de vista da teoria sobre sonhos. Outro destaque importante do estudo é ter feito isso de maneira quantitativa, usando mecanismos matemáticos para tentar extrair semântica”, afirma o pesquisador.

No trabalho, o grupo usou ferramentas de processamento de linguagem natural para estudar 239 relatos de sonhos de 67 indivíduos, feitos antes dos casos de contaminação pelo Sars-CoV-2 e durante os meses de março e abril, logo após a OMS (Organização Mundial da Saúde) ter declarado a pandemia de Covid-19.

Segundo Mota, um estudo multicêntrico, envolvendo USP, UFRN e as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Rio de Janeiro (UFRJ), está analisando agora dados coletados por um período maior da pandemia, até julho. O objetivo é avaliar se há impacto nos sonhos dos voluntários provocado por mortes de familiares e pessoas próximas. “A intenção é divulgar rapidamente os resultados, assim que estiverem prontos, para que, a partir desse conhecimento, sejam traçadas estratégias de saúde mental.”

Metodologia
O grupo de pesquisadores brasileiros vinha desenvolvendo e adotando aplicativos e softwares que permitem, por meio da análise do discurso, diagnosticar doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia. Essas ferramentas foram adaptadas para fazer avaliações cognitivas.

Os relatos dos sonhos dos voluntários foram colhidos em áudio por meio de um aplicativo para smartphone. Depois, os pesquisadores utilizaram três ferramentas de computador. A primeira é focada na estrutura do discurso, para comparar a complexidade e conexão da trajetória de palavras usadas na narrativa.

As outras duas se concentram no conteúdo. Uma mede a proporção de palavras inseridas em determinadas classes, como conteúdo sentimental, e as compara a uma lista predefinida para analisar a associação com emoções positivas e negativas. A outra mede a semelhança dos relatos a temas específicos por meio da construção de mapas de similaridade semântica, permitindo avaliar o quanto as palavras estão próximas de termos como “contaminação”, “limpeza”, “doença”, “saúde”, “morte” e “vida”.

“A semelhança significativa com ‘limpeza’ em relatos de sonhos aponta para novas estratégias sociais (por exemplo, uso de máscaras, evitar o contato físico) e novas práticas de higiene (como o uso de desinfetante para as mãos e outros produtos de limpeza) que se tornaram centrais para novas regras sociais e comportamento. Tomados em conjunto, esses achados parecem mostrar que os conteúdos dos sonhos refletem as diferentes fontes de medo e frustração decorrentes do cenário atual”, escrevem os pesquisadores no artigo publicado na PLOS ONE.

Mota destaca que, apesar de ter sido detectado de forma colateral, chama a atenção o maior sofrimento expresso nos sonhos da população feminina. “Há na literatura estudos sobre a diferença de gênero. O público feminino relata maior conteúdo negativo e mais pesadelos. Acho que está ligado à situação histórica do cotidiano das mulheres, em que elas exercem duas, três jornadas, com uma carga mental maior, preocupação com trabalho, casa, filhos. Isso se agravou na pandemia”, avalia a neurocientista.

O estudo, em inglês, Dreaming during the Covid-19 pandemic: Computational assessment of dream reports reveals mental suffering related to fear of contagion está disponível aqui.

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Estudo brasileiro comprova que novo coronavírus afeta cérebro e detalha efeitos nas células nervosas https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/10/22/estudo-brasileiro-comprova-que-novo-coronavirus-afeta-cerebro-e-detalha-efeitos-nas-celulas-nervosas/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/10/22/estudo-brasileiro-comprova-que-novo-coronavirus-afeta-cerebro-e-detalha-efeitos-nas-celulas-nervosas/#respond Thu, 22 Oct 2020 10:00:02 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/145988f8a8b99488929b72e2fb7a2435081dc5d36014460a4d8c8085a21109df_5f909f0069820-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=414 Karina Toledo | Agência Fapesp – Um estudo brasileiro divulgado na semana passada na plataforma medRxiv comprova que o vírus Sars-CoV-2 é capaz de infectar células do tecido cerebral, tendo como principal alvo os astrócitos. Os resultados revelam ainda que mesmo os indivíduos que tiveram a forma leve da Covid-19 podem apresentar alterações significativas na estrutura do córtex –região do cérebro mais rica em neurônios e responsável por funções complexas como memória, atenção, consciência e linguagem.

A investigação foi conduzida por diversos grupos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da USP (Universidade de São Paulo), todos financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Também colaboraram pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

“Dois trabalhos anteriores haviam detectado a presença do novo coronavírus no cérebro, mas não se sabia ao certo se ele estava no sangue, nas células endoteliais [que recobrem os vasos sanguíneos] ou dentro das células nervosas. Nós mostramos pela primeira vez que ele de fato infecta e se replica nos astrócitos e que isso pode diminuir a viabilidade dos neurônios”, conta à Agência Fapesp Daniel Martins-de-Souza, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, pesquisador do IDOR e um dos coordenadores da investigação.

Os astrócitos são as células mais abundantes do sistema nervoso central e desempenham funções variadas: oferecem sustentação e nutrientes para os neurônios; regulam a concentração de neurotransmissores e de outras substâncias com potencial de interferir no funcionamento neuronal, como o potássio; integram a barreira hematoencefálica, ajudando a proteger o cérebro contra patógenos e toxinas; e ajudam a manter a homeostase cerebral.

A infecção desse tipo celular foi confirmada por meio de experimentos feitos com tecido cerebral de 26 pacientes que morreram de Covid-19. As amostras foram coletadas durante procedimentos de autópsia minimamente invasiva conduzidos pelo patologista Alexandre Fabro, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). As análises foram coordenadas por Thiago Cunha, professor da FMRP-USP e integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID).

Os pesquisadores adotaram uma técnica conhecida como imuno-histoquímica, que consiste em usar anticorpos para marcar antígenos virais ou componentes do tecido analisado, como explica Martins-de-Souza. “Por exemplo, podemos colocar na amostra um anticorpo que ao se ligar no astrócito faz a célula adquirir a coloração vermelha; outro que ao se ligar na proteína de espícula do SARS-CoV-2 marca a molécula de verde; e, por último, um anticorpo para marcar de roxo o RNA viral de fita dupla, que só aparece durante o processo de replicação do microrganismo. Quando todas as imagens feitas durante o experimento foram colocadas em sobreposição, notamos que as três cores aparecem simultaneamente apenas dentro dos astrócitos.”

De acordo com Cunha, a presença do vírus foi confirmada nas 26 amostras estudadas. Em cinco delas também foram encontradas alterações que sugeriam um possível prejuízo ao sistema nervoso central.

“Observamos nesses cinco casos sinais de necrose e de inflamação, como edema [inchaço causado por acúmulo de líquido], lesões neuronais e infiltrados de células inflamatórias. Mas só tivemos acesso a uma pequena parte do cérebro dos pacientes, então, é possível que sinais semelhantes também estivessem presentes nos outros 21 casos estudados, mas em regiões diferentes do tecido”, diz Cunha.

Sintomas persistentes

Em outro braço da pesquisa, conduzido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, exames de ressonância magnética foram feitos em 81 voluntários que contraíram a forma leve da Covid-19 e se recuperaram. Em média, as avaliações presenciais ocorreram 60 dias após a data do teste diagnóstico e um terço dos participantes ainda apresentava sintomas neurológicos ou neuropsiquiátricos. As principais queixas foram dor de cabeça (40%), fadiga (40%), alteração de memória (30%), ansiedade (28%), perda de olfato (28%), depressão (20%), sonolência diurna (25%), perda de paladar (16%) e de libido (14%).

“Divulgamos um link para que interessados em participar da pesquisa pudessem se inscrever e, para nossa surpresa, em poucos dias já tínhamos mais de 200 voluntários, muitos deles polissintomáticos e com queixas bem variadas. Além do exame de neuroimagem, eles estão sendo avaliados por meio de exame neurológico e testes padronizados para mensurar o desempenho em funções cognitivas, como memória, atenção e flexibilidade de raciocínio. No artigo apresentamos os primeiros resultados”, conta a professora Clarissa Yasuda, integrante do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia.

Foram incluídas na pesquisa somente pessoas que tiveram o diagnóstico de Covid-19 confirmado por RT-PCR e que não precisaram ser hospitalizadas. As avaliações foram feitas após o término da fase aguda e os resultados foram comparados com dados de 145 indivíduos saudáveis e não infectados.

Pela análise dos exames de ressonância magnética foi possível perceber que algumas regiões do córtex dos voluntários tinham espessura menor do que a média observada nos controles, enquanto outras apresentavam aumento de tamanho –o que, segundo os autores, poderia indicar algum grau de edema.

“Observamos atrofia em áreas relacionadas, por exemplo, com a ansiedade –um dos sintomas mais frequentes no grupo estudado. Considerando que a prevalência média de transtornos de ansiedade na população brasileira é de 9%, os 28% que encontramos é um número elevado e alarmante. Não esperávamos esses resultados em pacientes que tiveram doença leve”, afirma Yasuda.

Nos testes neuropsicológicos –feitos para avaliar as funções cognitivas– os voluntários do estudo também se saíram pior do que a média dos indivíduos brasileiros em algumas tarefas. Os resultados foram ajustados de acordo com a idade, o sexo e a escolaridade de cada participante. Também foi considerado o grau de fadiga relatado pelo participante aos pesquisadores.

“A pergunta que fica agora é: serão esses sintomas passageiros ou permanentes? Para descobrir pretendemos continuar acompanhando esses voluntários por algum tempo”, conta a pesquisadora.

Metabolismo energético afetado

No Laboratório de Neuroproteômica do IB-Unicamp, coordenado por Martins-de-Souza, foram realizados diversos experimentos com tecido cerebral de pessoas que morreram de Covid-19 e com culturas de astrócitos in vitro para descobrir, do ponto de vista bioquímico, como a infecção pelo Sars-CoV-2 afeta as células do sistema nervoso.

As amostras de necrópsia foram obtidas por meio de colaboração com o grupo do professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva. Todo o conjunto de proteínas (proteoma) presente no tecido foi mapeado por espectrometria de massas –técnica que permite discriminar substâncias em amostras biológicas de acordo com a massa molecular.

“Ao comparar com resultados de indivíduos não infectados, percebemos que diversas proteínas que estavam com a expressão alterada são abundantes em astrócitos, o que valida os achados obtidos por imuno-histoquímica”, diz Martins-de-Souza. “Nessas células, observamos alterações em diversas vias bioquímicas, principalmente naquelas relacionadas ao metabolismo energético”, conta o pesquisador.

O passo seguinte foi repetir a análise proteômica em uma cultura de astrócitos infectada em laboratório. As células foram obtidas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês), método que consiste em reprogramar células adultas (provenientes da pele ou de outro tecido de fácil acesso) para fazê-las assumir estágio de pluripotência semelhante ao de células-tronco embrionárias. Esta primeira parte foi realizada no laboratório do professor da UFRJ Stevens Rehen, no IDOR. Em seguida, o time de Martins-de-Souza induziu, por meio de estímulos químicos, as células IPS a se diferenciarem em células-tronco neurais e depois em astrócitos.

“Os resultados foram parecidos com os da análise feita no tecido obtido por necrópsia, ou seja, indicaram disfunção no metabolismo energético. Fizemos então uma análise metabolômica [do conjunto de metabólitos produzidos pelos astrócitos em cultura], que indicou alteração no metabolismo de glicose. Por algum motivo, o astrócito infectado passa a consumir mais glicose do que o normal e, apesar disso, os níveis de piruvato e de lactato –os dois principais substratos energéticos– estão bastante diminuídos na célula”, conta.

Como explica o pesquisador, lactato é um dos subprodutos do metabolismo da glicose e o astrócito exporta esse metabólito para o neurônio, que o utiliza como fonte de energia. As análises in vitro mostraram que a quantidade de lactato no meio de cultivo das células estava normal, embora estivesse reduzida em seu interior. “Aparentemente o astrócito se esforça para manter o fornecimento do substrato energético para o neurônio em detrimento de seu próprio funcionamento”, comenta Martins-de-Souza.

Como resultado desse processo, as mitocôndrias dos astrócitos –organelas responsáveis pela produção de energia– passaram a funcionar de forma alterada, o que pode influenciar os níveis cerebrais de neurotransmissores como o glutamato (que excita os neurônios e está relacionado com a memória e o aprendizado) e o ácido gama-aminobutírico (GABA, capaz de inibir o disparo neuronal excessivo e promover sensação de calma e relaxamento).

“Em outro experimento, tentamos cultivar neurônios nesse meio em que antes estavam sendo cultivados os astrócitos infectados e observamos que as células morrem mais do que o esperado. Ou seja, esse meio de cultivo ‘condicionado pelos astrócitos infectados’ diminuiu a viabilidade dos neurônios”, conta Martins-de-Souza.

Segundo o pesquisador, os achados descritos no artigo –ainda em processo de revisão por pares– vão ao encontro de diversos trabalhos já publicados, que apontaram possíveis manifestações neurológicas e neuropsiquiátricas da Covid-19, mas dá um passo além.

“Havia ainda uma grande dúvida: a disfunção cerebral seria decorrente da inflamação sistêmica ou o vírus estaria prejudicando diretamente o funcionamento das células nervosas ao infectá-las? Nossos resultados indicam que o Sars-CoV-2 pode de fato entrar nas células cerebrais e afetar seu funcionamento”, diz.

Na avaliação de Cunha, a próxima pergunta a ser respondida é como o vírus chega ao sistema nervoso central e qual é o mecanismo usado para entrar nos astrócitos –o que pode dar pistas para possíveis intervenções capazes de barrar a infecção.

“Também pretendemos fazer experimentos com camundongos geneticamente modificados para expressar a ACE2 humana [principal proteína usada pelo vírus para infectar as células]. A ideia é confirmar nesses animais se há uma relação de causa e efeito, ou seja, se a infecção por si só é capaz de induzir as alterações que observamos nos cérebros dos pacientes”, adianta Cunha.

Marcelo Mori, professor do IB-Unicamp e integrante do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), destaca que a pesquisa só foi possível graças à colaboração de pesquisadores com formações e expertises variadas e complementares. “Este é um exemplo de que para fazer ciência de qualidade e competitiva é preciso aliar esforços interdisciplinares. É difícil competir internacionalmente se ficarmos apenas dentro do nosso laboratório, limitados às técnicas que conhecemos e aos equipamentos que temos acesso”, afirma.

Ao todo, o artigo tem 74 autores. Os experimentos foram conduzidos por quatro pós-doutorandos: Fernanda Crunfli, Flávio P. Veras, Victor C. Carregari e Pedro H. Vendramini.

Tanto o OCRC quanto o CRID e o BRAINN são Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fapesp. O apoio da Fundação também se deu por meio de outros sete projetos: 20/04746-0, 17/25588-1, 19/00098-7, 20/04919-2, 20/05601-6, 20/04860-8 e 19/11457-8.

O artigo SARS-CoV-2 infects brain astrocytes of COVID-19 patients and impairs neuronal viability pode ser lido em aqui.

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Além de causar estresse, excesso de barulho prejudica aprendizado, diz neurocientista https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/08/14/alem-de-irritar-excesso-de-barulho-prejudica-capacidade-de-aprendizado-explica-neurocientista/ https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/2020/08/14/alem-de-irritar-excesso-de-barulho-prejudica-capacidade-de-aprendizado-explica-neurocientista/#respond Fri, 14 Aug 2020 10:00:44 +0000 https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/protetor-300x215.jpg https://saudemental.blogfolha.uol.com.br/?p=289 Furadeira no vizinho, cachorro latindo alto, bebê chorando. Às vezes, nem dentro de casa é possível ficar longe de barulhos que irritam.

O som alto, acima de 80 decibéis –o equivalente ao ruído de uma motocicleta ou ao de um despertador alto–, além de prejudicar a audição, se for contínuo, pode causar estresse e prejudicar o aprendizado, explica a neurocientista Thaís Gameiro, doutora pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e sócia da empresa Nêmesis.

A barulheira constante também pode afetar o desempenho das funções cognitivas e executivas, como planejamento e tomada de decisão, conta Thaís.

Como não é possível controlar o mundo ao nosso redor, a neurocientista dá dicas para driblar os ruídos constantes e relaxar, como meditar, ouvir músicas instrumentais e buscar fazer intervalos de minutos de silêncio durante o dia –nem que seja com a ajuda de tampões de ouvido.

“Precisamos de momentos em que não fazemos nada, momentos contemplativos em que apenas deixamos a mente fluir livremente. São nesses momentos que criamos novas conexões e permitimos que novos rumos e ideias apareçam”, diz.

Leia abaixo a entrevista com a neurologista.

Como o excesso de barulho afeta o nosso cérebro?
Ruídos constantes presentes em nosso ambiente, normalmente aqueles percebidos como desagradáveis pelas pessoas, acabam disparando uma resposta de estresse em nosso cérebro, produzindo hormônios, como o cortisol [liberado em situações de perigo e nervosismo] , que, em excesso, prejudicam nossa capacidade de concentração, aprendizado e retenção das informações.

Além disso, alguns estudos mostram também que a resposta de estresse provocada por ruídos considerados desagradáveis pode reduzir a quantidade de dopamina [neurotransmissor relacionado à sensação de prazer]  no córtex pré-frontal do cérebro, região importante para o desempenho eficiente de nossas funções cognitivas e executivas, como aprendizado, planejamento e tomada de decisão.

Quais tipos de barulho costumam ser os mais irritantes quando estamos trabalhando em home office ou quando estamos tentando relaxar? Existe algum tipo de frequência ou decibéis que desconcentra ou irrita mais? 
Em geral, qualquer ruído acima de 80 decibéis, como o de uma furadeira ou o de um cachorro latindo alto, será percebido como desagradável pelo nosso cérebro, gerando desconforto e dificultando nossa concentração, por serem estímulos salientes.

Os ruídos prejudicam a nossa conexão com o momento presente?
Os ruídos acabam atuando como fontes de distração e prejudicam nossa capacidade de concentração (manutenção do foco), seja em aspectos do meio externo como também em aspectos internos, como pensamentos, emoções e anseios.

De maneira geral, as pessoas são menos treinadas em observar aspectos mais introspectivos, exigindo uma capacidade ainda maior de manter a atenção em elementos internos. A meditação, por exemplo, é uma prática que ajuda a desenvolver esta habilidade de concentração, favorecendo inclusive o autoconhecimento e a possibilidade de estarmos mais conectados com nós mesmos.

Há alguma frequência musical que ajuda a relaxar e “esvaziar” a mente de barulhos irritantes? Buscando no Google, por exemplo, vemos indicações de playlists com sons na frequência 432 Hz para relaxar. Como a frequência age no nosso cérebro e nos ajuda a relaxar?
As músicas e sons considerados relaxantes são aqueles com baixa frequência e que permitem que o cérebro entre em um padrão de ativação associado a estados de maior relaxamento. Os sons externos influenciam o padrão de ativação do cérebro, estimulando a predominância de ondas específicas, como a onda Alfa, associada a estados de maior relaxamento.

Em geral, músicas instrumentais com notas harmônicas e sons de natureza, por exemplo, reúnem características que estimulam a ativação da onda Alfa no cérebro, provocando estados de relaxamento. No entanto, não existe apenas uma frequência específica capaz de provocar tais estados de relaxamento. Diversos sons podem provocar tais respostas, desde que sejam considerados de baixa frequência. Existem poucas evidências científicas atualmente que mostrem que a frequência de 432 Hz seja de fato superior a outras de natureza similar.

Quais são os benefícios dos momentos de silêncio?
É importante lembrar que os sons são estímulos sensoriais processados pelo nosso cérebro, assim como os gostos, cheiros e as imagens a que somos expostos a todo momento. Nosso cérebro tem uma capacidade limitada de processar todos esses estímulos que chegam a todo instante e, por isso, ele precisa priorizar aqueles que serão processados com maior precisão.

Quando, de alguma forma, conseguimos reduzir uma dessas fontes de estímulos, como é o caso do silêncio –no qual os estímulos auditivos estão praticamente ausentes–, oferecemos ao nosso cérebro a oportunidade de prestar atenção e processar outras informações, inclusive emoções e pensamentos que acabam ficando abafados pelo excesso de informação que chega a todo momento.

Especialmente para os indivíduos que vivem nas grandes cidades, momentos de silêncio são raridade. Por isso, o silêncio pode trazer uma sensação de relaxamento, aliviando o estresse e aumentando o bem-estar.

Para quem está irritado com o excesso de barulho e quer relaxar por uns 10 minutinhos em casa, é melhor usar tampões de ouvido e buscar o silêncio total ou colocar os fones de ouvido e ouvir uma playlist numa frequência relaxante? 
Ambas as estratégias podem ser eficientes, dependendo da preferência do indivíduo. O importante aqui é encontrar aquela que promova em você a resposta mais relaxante. A música tem apresentado benefícios consistentes na literatura científica e seus efeitos positivos no cérebro são conhecidos, mas algumas pessoas podem não se sentir relaxadas utilizando essa estratégia. Por isso, é importante experimentar.

O uso excessivo de eletrônicos tem feito com que as pessoas desfrutem menos o silêncio?
Certamente, a tecnologia pode tornar os momentos de silêncio ainda mais raros. Mas, principalmente, o uso excessivo dos eletrônicos faz com que não tenhamos praticamente nenhum momento livre de informações a serem processadas. Não apenas o silêncio é menos desfrutado, mas qualquer possibilidade de deixar o cérebro entrar no estágio conhecido como “ócio criativo”.

Precisamos de momentos em que não fazemos nada, momentos contemplativos em que apenas deixamos a mente fluir livremente. São nesses momentos que criamos novas conexões e permitimos que novos rumos e ideias apareçam. Mas se estamos conectados o tempo todo, essa possibilidade se torna cada vez mais remota.

Na rotina diária, quais interferências sonoras causam mais dano à produtividade?
Em geral, qualquer som identificado como desagradável pode trazer danos, aqueles muito altos, repetitivos, muito graves ou muito agudos, acabam sendo mais difíceis de tolerar. E, ao contrário do que pode parecer o senso comum, o cérebro não se adapta a esses ruídos e o estresse provocado pela exposição constante pode ser sustentado, gerando sintomas físicos e malefícios à saúde, além de prejudicarem nossa performance.

O que o excesso de barulho pode causar na nossa saúde, além do estresse causado pela irritação? Dor de cabeça, tensão muscular, insônia? 
Na verdade, os efeitos físicos e respostas corporais como tensão, dor de cabeça e irritação, são reflexo da resposta de estresse desencadeada pelos ruídos desagradáveis. Quanto maior a intensidade dessa resposta, mais intensos podem ser os efeitos no corpo.

Ficar algum tempo em silêncio é uma forma de fazer um “detox” na mente”? Por quê? Quantos minutos são necessários?
Essas recomendações acabam variando muito de pessoa para pessoa. Ter ao menos um momento do dia em que você fica livre de qualquer estímulo, sem fazer nada –o ócio–, por pelo menos 10 a 15 minutos, seria bastante saudável, permitindo um “break” e um momento de relaxamento.

Como incluir alguns momentos de silêncio na rotina?
Procure identificar em qual horário do dia sua rotina é mais calma e livre de imprevistos. Defina um horário para fazer essa pausa, encontre um lugar confortável em que você esteja seguro, possa fechar os olhos e se desconectar de todos os estímulos sonoros, o máximo possível.

Se preciso, use um fone ou tampões de ouvidos. Se para sua rotina 10 minutos é muito, procure fazer intervalos de 3 a 5 minutos por duas ou três vezes ao dia. O importante é insistir e perceber como você se sentirá com a prática, pois ao notar mudanças positivas será mais fácil manter o novo hábito.

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