Loucura em ‘Coringa’ é mal definida, diz psiquiatra e autor de livro sobre transtornos mentais em filmes
“Coringa”, do diretor Todd Phillips, conta a história de Arthur Fleck, um homem com transtornos mentais que sofre para conseguir tratamento no sistema público dos Estados Unidos.
O filme mostra a origem do vilão Coringa e lidera as indicações ao Oscar deste ano, concorrendo em 11 categorias, entre elas melhor filme, melhor direção, e melhor ator para Joaquin Phoenix –que já ganhou pela atuação prêmios como o Globo de Ouro e o Bafta.
Apesar do sucesso, o longa gerou críticas por supostamente glorificar a violência e inspirar jovens que se identifiquem com o personagem a cometer os mesmos crimes na vida real.
Para o psiquiatra Elie Cheniaux, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e autor de “Cinema e Loucura: Conhecendo os Transtornos Mentais Através dos Filmes”, escrito em parceria com o psicólogo Jesus Landeira-Fernandez, mestre em Psicologia Experimental pela USP e doutor em Neurociência Comportamental pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), o Coringa de Joaquin Phoenix é um bom exemplo de loucura mal definida pelo cinema, situação abordada no livro, com vários exemplos.
“A começar pela risada dele, poderia ser um tipo de epilepsia muito raro ou espécie de incontinência afetiva, mas no caso é um riso completamente desconexo”, diz Cheniaux.
Outra possibilidade de diagnóstico, segundo o psiquiatra, poderia ser transtorno de Tourette, que se caracteriza por tiques motores ou vocais, quanto o paciente pode começar a falar palavrões e proferir xingamentos sem motivo aparente. Um desses tiques poderia ser o riso descontrolado.
“Não há, no Coringa, nada muito característico de um transtorno mental. Não parece esquizofrenia nem um transtorno de personalidade”, afirma. “O comportamento violento dele não parece estar relacionado com doença mental. Na vida real, pacientes com transtornos costumam muito mais serem vítimas de violência do que autores de atos violentos.”
Sobre a polêmica de que o longa poderia incitar a violência, Cheniaux afirma que nunca foi comprovado que filmes violentos podem influenciar pessoas a serem agressivas também.
“Provavelmente, pessoas violentas preferem ver filmes violentos. Elas vão ver um filme assim porque já são violentas”, explica.
No livro “Cinema e Loucura: Conhecendo os Transtornos Mentais Através dos Filmes” (editora Artmed, 288 págs.), Cheniaux e Landeira-Fernandez analisam personagens com transtornos mentais retratados em 184 filmes para revelar ao leitor quais são doenças são bem representadas no cinema e quais deixam a desejar.
A obra começou a ser elaborada voltada para os alunos de graduação em psicologia que faziam a disciplina psicopatologia e cinema, ministrada pelo professor Landeira-Fernandez na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).
“No Brasil, não existia um livro que abordasse esse assunto”, conta Cheniaux. “Ele surgiu como um livro didático, com o objetivo de mostrar o que em cada filme era fidedigno ao transtorno mental, o que estava errado, e dar as informações corretas”, diz.
Para Cheniaux, os filmes em si não ajudam diminuir o preconceito em relação às doenças mentais. “O que pode diminuir esse preconceito é a informação.”
Veja na galeria de fotos acima algumas das obras e dos personagens abordados pelos autores no livro.