Sentir tristeza na pandemia é natural, mas isso não pode nos paralisar, diz professor de psicologia positiva
Doença, mortes, crise econômica e fome. Essas são as consequências esperadas a curto e longo prazo pela pandemia do novo coronavírus.
Nesse cenário, a tristeza e o medo são sentimentos naturais que devem acometer, em graus diferentes, toda a população.
Para Gustavo Arns, professor de pós-graduação em psicologia positiva da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), o ponto não está em não ficar triste, mas não se deixar paralisar por esse sentimento.
“É claro que vai trazer tristeza a situação externa, mas posso usar essa tristeza como motor, como combustível para agir”, afirma.
Gustavo, que é sobrinho-neto do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, segue as abordagens para a felicidade propostas pelo psicólogo israelense Tal Ben-Shahar, professor de psicologia positiva na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Leia abaixo a entrevista.
Nessa época de pandemia, estamos vendo muitas coisas tristes acontecerem, como os mais pobres que agora estão passando por dificuldades ainda maiores, ONGs que estão perdendo voluntários e doações, além das mortes que devem continuar aumentando nos próximos meses. Como não ficar triste nesse cenário?
A ciência da felicidade, na vertente da psicologia positiva, diz que, de fato, é muito difícil aplicar aquilo que a ciência vem descobrindo para pessoas em áreas de conflito, sob opressão política e áreas de extrema pobreza.
Depois da perda de um ente querido, por exemplo, é difícil você se ocupar dessa questão da felicidade. Os princípios gerais estudados e compreendidos pela ciência de como se dá o processo de felicidade, tanto neuroquimicamente quanto biofisicamente, não são também uma panaceia que vai resolver todos os problemas de todas as pessoas em qualquer situação.
A gente não pode correr o risco de cair na superficialidade e dizer “olha o lado bom da vida”, enquanto o outro está numa situação em que isso não é possível.
Então essas ideias não se aplicam a muitos dos obstáculos externos que surgem no caminho da felicidade e também não são suficientes para derrotar todos os obstáculos internos que surgem nessa caminhada.
Por outro lado, o que a gente vem compreendendo por meio da ciência das emoções é que o ponto não está em não ficar triste. É claro que essas situações externas trazem tristeza quando a gente olha para elas, mas o uso da inteligência emocional reside no fato de não se deixar paralisar por essa tristeza.
É não entrar em uma depressão profunda que me tire a vontade de viver por conta disso. É claro que vou ficar triste e vou ficar com medo, mas vou encontrar um lugar emocionalmente seguro dentro de mim para que eu possa lidar com tudo isso tanto emocionalmente quanto na vida prática, porque todas as pessoas estão tendo, de alguma forma, que se reinventar profissionalmente.
Se o medo me paralisa, ele não me é útil. As emoções, palavra que vem do latim emovere, estão aí para nos colocar em movimento, para nos tirar do lugar em que estamos.
A gente pode canalizar as emoções para o nosso proveito. É claro que vai trazer tristeza a situação externa, mas eu posso usar essa tristeza como motor, como combustível para agir. Inclusive nessa situação que me deixa triste. O que é que eu posso fazer por isso? Em vez de paralisar e não fazer nada.
Quais são as cinco abordagens que você propõe para manter a saúde mental durante a pandemia?
Na verdade, essas cinco abordagens propostas são do professor Tal Ben-Shahar, ele propõe como conceito de felicidade um modelo que, em inglês, ficou conhecido como Spire (Spiritual, Physical, Intellectual, Relational, Emotional) em que o conceito de felicidade é uma combinação do bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual.
É a combinação desses cinco elementos que nos leva a uma vida mais feliz. Isso é bastante interessante porque quebra o conceito abstrato de felicidade, em que eu não sei bem o que é e não sei bem como chegar lá para uma possibilidade mais palpável.
Pelo meu bem-estar físico, eu sei exatamente o que posso fazer agora. O bem-estar emocional também e assim por diante. Quando a ciência quebra esses conceitos abstratos em pedacinhos menores, ela os torna mais possíveis, mais viáveis.
Dentro desses cinco aspectos, quando focamos na saúde mental, percebemos que tudo começa com como eu me alimento mentalmente, o que estou consumindo –os livros que estou lendo, as notícias que estou vendo, as pessoas com quem converso, as redes sociais, tudo isso vai nos alimentando mentalmente de alguma forma e precisamos pensar em uma alimentação mental saudável.
Com isso, obviamente o excesso de notícias de e uso de redes sociais se torna uma alavanca para o nosso desequilíbrio mental. É preciso tomar bastante cuidado principalmente com o excesso de informação que estão nas redes.
A boa saúde mental também requer a rotina e eu sei que todas as pessoas com quem converso vivem situações diferentes: alguns estão com a família, alguns sozinhos, outros com os filhos, todos tendo que tomar conta das tarefas de casa, cozinhar e ainda dar aula para os filhos.
Mas é importante que, na medida do possível, crie-se uma rotina para deitar e acordar mais ou menos no mesmo horário. Não é indicado se deitar muito tarde por conta de um hormônio que nós produzimos chamado melatonina, que é produzido, falando a grosso modo, entre meia-noite e 2 horas .
Existe um grande debate médico sobre esse horário, mas estou falando a grosso modo do pico dele. Quando a gente deita na cama às 23h30, logo após estar de frente para uma tela, podemos até dormir, mas alguns circuitos neurais permanecem ligados e isso afeta a produção da melatonina, que é o hormônio responsável pelo real descanso no sono.
Assim, o sono acaba não sendo reparador: eu acordo ainda me sentindo cansado, mesmo que eu durma por sete ou oito horas. Por isso, a rotina de sono é importante, deitando em um horário relativamente cedo.
A alimentação do corpo físico é bastante importante, os exercícios físicos são fundamentais nesse momento também para que possamos ter um bom uso da nossa ferramenta, que é nosso corpo físico, e nesse sentido é importante se movimentar.
Para a psicologia positiva, um ponto muito importante no nosso grau de bem-estar é a gentileza. Sermos gentis com o outro, encontrar formas de ajudar aqueles que estão mais próximos a nós, nossos vizinhos, e aqueles que estão precisando de apoio nesse momento.
Vejo muitas pessoas engajadas em diversas redes, solidárias, cada um contribuindo com aquilo que pode, com aquilo que tem. Isso com certeza ajuda a elevar o nosso grau de bem-estar nesse momento.
O psicólogo americano Martin Seligman, considerado o pai da psicologia positiva, criou o conceito de otimismo como a disposição para avaliar o futuro de maneira positiva e trabalhar por ele.
Então quando nós conseguimos visualizar possibilidades boas no futuro, automaticamente criamos uma motivação intrínseca e interna para trabalhar por esse futuro, e isso nos torna mais resilientes, mais capazes de enfrentar as adversidades quando elas surgirem.
Nós nos tornamos mais criativos, isso significa que nós podemos criar, podemos imaginar soluções novas para problemas novos, dessa forma lidando melhor com essa situação que se desenrola.
O que os idosos e as outras pessoas que estão no grupo de risco podem fazer para não se sentirem deprimidos e com tanto medo nessa fase?
Para os idosos e para as pessoas em grupo de risco, é muito importante que se mantenham atentos a todas as medidas de seguranças necessárias para enfrentar esse momento e com isso se lembrem de que, apesar de sozinhos em casa, não precisam se sentir solitários.
Hoje a tecnologia permite nos comunicarmos com as pessoas remotamente e até vê-las em vídeo, então buscar o apoio, a companhia das pessoas mais próximas, dos familiares, dos amigos, daquelas com quem elas têm uma boa relação, para que elas possam, apesar de sozinhas, não se sentir solitárias.
Recomendo que elas exercitem esse olhar interno, esse olhar para dentro, isso que a ciência chama de solitude, que é o tempo de qualidade que passamos com nós mesmos e buscar atividades prazerosas. Isso pode ser lendo um livro, assistindo a uma boa série. E, é claro, lidar com essas emoções.
Como a inteligência emocional nos explica, todas essas emoções fazem parte da vida, são naturais e é preciso navegar por elas, é preciso compreender o que está me causando esse medo e como posso agir sobre ele. Então manter esse olhar interno atento.
O medo vem muito daquilo que nos alimentamos. É preciso tomar bastante cuidado com o que estamos vendo na televisão e nas redes sociais para que não seja em excesso, com as conversas com outras pessoas que ficam, às vezes, ficam alimentando esse medo interno ou muitas vezes essa tristeza. Observar os pensamentos nesse sentido é uma chave muito importante.
Como manter um convívio saudável com a família durante a quarentena?
A pandemia de certa forma nos convida a esse olhar interno, nos recolhermos dentro das nossas casas e de nós mesmos. Dentro dos cinco aspectos, o bem-estar relacional é um deles.
Inclusive, para a psicologia positiva, os relacionamentos são um item dos mais importantes para a construção da nossa felicidade.
É o momento de fato em que temos que aparar as arestas dos relacionamentos, e encarar isso de frente. Esse momento, pode ser uma boa hora para construirmos relacionamentos mais saudáveis com as pessoas que estão mais próximas a nós e com aqueles que amamos.
E esse convívio saudável com o outro sempre parte primeiro de um convívio saudável comigo mesmo. Só consigo me relacionar bem com o outro quando consigo dar espaço para o outro dentro de mim.
De certa forma, tudo isso que a gente falou até aqui, todas essas dicas para que possamos estar bem equilibrados emocional e mentalmente nesse momento, vão contribuir para que eu possa me relacionar bem com o outro, com um olhar mais empático, mais compassivo, mais humanitário.
E aí podemos de fato escutar o outro, que é diferente de ouvir, a escuta ela é ativa, eu abro um espaço dentro de mim para realmente acolher o que está sendo dito, sem julgamento ou aquela vontade autocentrada de falar sobre mim mesmo. O bom convívio necessita da real capacidade de dialogar e acolher.