Além de causar estresse, excesso de barulho prejudica aprendizado, diz neurocientista

Furadeira no vizinho, cachorro latindo alto, bebê chorando. Às vezes, nem dentro de casa é possível ficar longe de barulhos que irritam.

O som alto, acima de 80 decibéis –o equivalente ao ruído de uma motocicleta ou ao de um despertador alto–, além de prejudicar a audição, se for contínuo, pode causar estresse e prejudicar o aprendizado, explica a neurocientista Thaís Gameiro, doutora pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e sócia da empresa Nêmesis.

A barulheira constante também pode afetar o desempenho das funções cognitivas e executivas, como planejamento e tomada de decisão, conta Thaís.

Como não é possível controlar o mundo ao nosso redor, a neurocientista dá dicas para driblar os ruídos constantes e relaxar, como meditar, ouvir músicas instrumentais e buscar fazer intervalos de minutos de silêncio durante o dia –nem que seja com a ajuda de tampões de ouvido.

“Precisamos de momentos em que não fazemos nada, momentos contemplativos em que apenas deixamos a mente fluir livremente. São nesses momentos que criamos novas conexões e permitimos que novos rumos e ideias apareçam”, diz.

Leia abaixo a entrevista com a neurologista.

Como o excesso de barulho afeta o nosso cérebro?
Ruídos constantes presentes em nosso ambiente, normalmente aqueles percebidos como desagradáveis pelas pessoas, acabam disparando uma resposta de estresse em nosso cérebro, produzindo hormônios, como o cortisol [liberado em situações de perigo e nervosismo] , que, em excesso, prejudicam nossa capacidade de concentração, aprendizado e retenção das informações.

Além disso, alguns estudos mostram também que a resposta de estresse provocada por ruídos considerados desagradáveis pode reduzir a quantidade de dopamina [neurotransmissor relacionado à sensação de prazer]  no córtex pré-frontal do cérebro, região importante para o desempenho eficiente de nossas funções cognitivas e executivas, como aprendizado, planejamento e tomada de decisão.

Quais tipos de barulho costumam ser os mais irritantes quando estamos trabalhando em home office ou quando estamos tentando relaxar? Existe algum tipo de frequência ou decibéis que desconcentra ou irrita mais? 
Em geral, qualquer ruído acima de 80 decibéis, como o de uma furadeira ou o de um cachorro latindo alto, será percebido como desagradável pelo nosso cérebro, gerando desconforto e dificultando nossa concentração, por serem estímulos salientes.

Os ruídos prejudicam a nossa conexão com o momento presente?
Os ruídos acabam atuando como fontes de distração e prejudicam nossa capacidade de concentração (manutenção do foco), seja em aspectos do meio externo como também em aspectos internos, como pensamentos, emoções e anseios.

De maneira geral, as pessoas são menos treinadas em observar aspectos mais introspectivos, exigindo uma capacidade ainda maior de manter a atenção em elementos internos. A meditação, por exemplo, é uma prática que ajuda a desenvolver esta habilidade de concentração, favorecendo inclusive o autoconhecimento e a possibilidade de estarmos mais conectados com nós mesmos.

Há alguma frequência musical que ajuda a relaxar e “esvaziar” a mente de barulhos irritantes? Buscando no Google, por exemplo, vemos indicações de playlists com sons na frequência 432 Hz para relaxar. Como a frequência age no nosso cérebro e nos ajuda a relaxar?
As músicas e sons considerados relaxantes são aqueles com baixa frequência e que permitem que o cérebro entre em um padrão de ativação associado a estados de maior relaxamento. Os sons externos influenciam o padrão de ativação do cérebro, estimulando a predominância de ondas específicas, como a onda Alfa, associada a estados de maior relaxamento.

Em geral, músicas instrumentais com notas harmônicas e sons de natureza, por exemplo, reúnem características que estimulam a ativação da onda Alfa no cérebro, provocando estados de relaxamento. No entanto, não existe apenas uma frequência específica capaz de provocar tais estados de relaxamento. Diversos sons podem provocar tais respostas, desde que sejam considerados de baixa frequência. Existem poucas evidências científicas atualmente que mostrem que a frequência de 432 Hz seja de fato superior a outras de natureza similar.

Quais são os benefícios dos momentos de silêncio?
É importante lembrar que os sons são estímulos sensoriais processados pelo nosso cérebro, assim como os gostos, cheiros e as imagens a que somos expostos a todo momento. Nosso cérebro tem uma capacidade limitada de processar todos esses estímulos que chegam a todo instante e, por isso, ele precisa priorizar aqueles que serão processados com maior precisão.

Quando, de alguma forma, conseguimos reduzir uma dessas fontes de estímulos, como é o caso do silêncio –no qual os estímulos auditivos estão praticamente ausentes–, oferecemos ao nosso cérebro a oportunidade de prestar atenção e processar outras informações, inclusive emoções e pensamentos que acabam ficando abafados pelo excesso de informação que chega a todo momento.

Especialmente para os indivíduos que vivem nas grandes cidades, momentos de silêncio são raridade. Por isso, o silêncio pode trazer uma sensação de relaxamento, aliviando o estresse e aumentando o bem-estar.

Para quem está irritado com o excesso de barulho e quer relaxar por uns 10 minutinhos em casa, é melhor usar tampões de ouvido e buscar o silêncio total ou colocar os fones de ouvido e ouvir uma playlist numa frequência relaxante? 
Ambas as estratégias podem ser eficientes, dependendo da preferência do indivíduo. O importante aqui é encontrar aquela que promova em você a resposta mais relaxante. A música tem apresentado benefícios consistentes na literatura científica e seus efeitos positivos no cérebro são conhecidos, mas algumas pessoas podem não se sentir relaxadas utilizando essa estratégia. Por isso, é importante experimentar.

O uso excessivo de eletrônicos tem feito com que as pessoas desfrutem menos o silêncio?
Certamente, a tecnologia pode tornar os momentos de silêncio ainda mais raros. Mas, principalmente, o uso excessivo dos eletrônicos faz com que não tenhamos praticamente nenhum momento livre de informações a serem processadas. Não apenas o silêncio é menos desfrutado, mas qualquer possibilidade de deixar o cérebro entrar no estágio conhecido como “ócio criativo”.

Precisamos de momentos em que não fazemos nada, momentos contemplativos em que apenas deixamos a mente fluir livremente. São nesses momentos que criamos novas conexões e permitimos que novos rumos e ideias apareçam. Mas se estamos conectados o tempo todo, essa possibilidade se torna cada vez mais remota.

Na rotina diária, quais interferências sonoras causam mais dano à produtividade?
Em geral, qualquer som identificado como desagradável pode trazer danos, aqueles muito altos, repetitivos, muito graves ou muito agudos, acabam sendo mais difíceis de tolerar. E, ao contrário do que pode parecer o senso comum, o cérebro não se adapta a esses ruídos e o estresse provocado pela exposição constante pode ser sustentado, gerando sintomas físicos e malefícios à saúde, além de prejudicarem nossa performance.

O que o excesso de barulho pode causar na nossa saúde, além do estresse causado pela irritação? Dor de cabeça, tensão muscular, insônia? 
Na verdade, os efeitos físicos e respostas corporais como tensão, dor de cabeça e irritação, são reflexo da resposta de estresse desencadeada pelos ruídos desagradáveis. Quanto maior a intensidade dessa resposta, mais intensos podem ser os efeitos no corpo.

Ficar algum tempo em silêncio é uma forma de fazer um “detox” na mente”? Por quê? Quantos minutos são necessários?
Essas recomendações acabam variando muito de pessoa para pessoa. Ter ao menos um momento do dia em que você fica livre de qualquer estímulo, sem fazer nada –o ócio–, por pelo menos 10 a 15 minutos, seria bastante saudável, permitindo um “break” e um momento de relaxamento.

Como incluir alguns momentos de silêncio na rotina?
Procure identificar em qual horário do dia sua rotina é mais calma e livre de imprevistos. Defina um horário para fazer essa pausa, encontre um lugar confortável em que você esteja seguro, possa fechar os olhos e se desconectar de todos os estímulos sonoros, o máximo possível.

Se preciso, use um fone ou tampões de ouvidos. Se para sua rotina 10 minutos é muito, procure fazer intervalos de 3 a 5 minutos por duas ou três vezes ao dia. O importante é insistir e perceber como você se sentirá com a prática, pois ao notar mudanças positivas será mais fácil manter o novo hábito.