Falar sobre agressão faz parte do processo de cura, diz psicóloga do projeto Justiceiras
Os episódios são cada vez mais comuns. Uma mulher que sofreu violência ou esteve em um relacionamento abusivo decide desabafar e contar sua história em uma rede social.
A partir desse relato, as reações costumam variar desde apoio por parte de amigos e seguidores (no caso de pessoas famosas), identificação de outras mulheres que também foram vítimas de agressão a questionamentos como “por que se expor tanto?” ou “por que tocar nesse assunto em público?”.
“Falar sobre uma agressão faz parte do processo de conscientização e de cura”, afirma Kátia Rosa, psicóloga e líder nacional da área de psicologia do projeto Justiceiras.
Conforme a mulher conta a sua história, repete o que aconteceu com ela, seja pessoalmente, para amigos e familiares, ou publicamente, em redes sociais, ela vai tomando consciência da violência que sofreu.
“Dizer que essa mulher está querendo chamar a atenção ou está fazendo isso porque ainda é apaixonada pelo cara é uma forma de desqualificar a fala dela. A mulher tem o direito à fala pública. Quando ela é julgada por isso está sofrendo mais uma agressão”, diz.
A psicóloga explica que o processo de fala e escuta é muito importante porque, ao mesmo tempo em que é curativo para quem se pronuncia, também é esclarecedor para quem vai se informar por meio desse relato e perceber que também é uma vítima de violência.
“Às vezes, a mulher percebe que o relacionamento dela não está bom, mas não sabe que aquilo é uma forma de violência”, observa Kátia.
Isso acontece porque não é apenas a agressão física que é considerada violência contra a mulher. De acordo com o artigo 7º da Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/2006), são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
“A violência psicológica é a mais frequente, responsável por 85% dos casos que chegam até nós”, diz. A Lei Maria da Penha classifica como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima (leia mais no fim do texto).
Para ampliar a voz dessas mulheres, o projeto Justiceiras lançou, em 31 de agosto, a campanha #MeTooBrasil, inspirada no movimento Me Too, que expôs abusos praticados no setor audiovisual de Hollywood e que resultou na condenação do produtor Harvey Weinstein a 23 anos de prisão por agressão sexual e estupro.
Com o slogan “O silêncio acabou”, o objetivo da versão brasileira é dar visibilidade aos relatos e oferecer suporte jurídico, psicológico, assistencial e médico a mulheres vítimas de violência doméstica. A campanha é uma extensão do projeto Justiceiras, idealizado pela promotora de Justiça Gabriela Manssur, que surgiu em março com o aumento dos casos de agressão durante a pandemia da Covid-19.
Os relatos, tanto por meio de canais como o site #MeTooBrasil ou por redes sociais, são o primeiro passo para a mulher buscar ajuda e fazer uma denúncia formal, conta a psicóloga.
No entanto, é preciso tomar alguns cuidados ao contar a história publicamente para não sofrer um processo por crime contra honra (calúnia, difamação e injúria), explica Luciana Terra, advogada e líder nacional da área jurídica do projeto Justiceiras.
“Para evitar medidas judiciais, a mulher deve falar como a protagonista. Não identificar o homem com nome completo ou marcá-lo no post, por exemplo”, diz.
Mas contar em detalhes como se deu a agressão é importante, pois assim outras mulheres que foram vítimas do mesmo agressor podem reconhecê-lo.
“Eles atuam sempre de forma igual, às vezes nem é preciso falar o nome”, observa a advogada. “E denúncias de mais mulheres acumulam provas robustas, as vítimas têm o mesmo relato.”
Exemplos disso são as denúncias que levaram às condenações do ex-médico Roger Abdelmassih e do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus.
Luciana destaca que, de acordo com o STJ (Superior Tribunal de Justiça), o depoimento da vítima tem valor de prova, já que muitas vezes esses crimes não têm testemunhas, pois acontecem entre quatro paredes.
Formas de violência contra a mulher, de acordo com o artigo 7º da Lei Maria da Penha
1- Violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal
2 – Violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
3 – Violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos
4 – Violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades
5 – Violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria
Procure ajuda
Central de Atendimento à Mulher: 180
Projeto Justiceiras: justiceiras.org.br
Me Too Brasil: site metoobrasil.org.br e WhatsApp (11) 99636-1212