Lucas, eu também já desisti de um sonho por causa de um transtorno
Lucas, nesta manhã eu acordei e vi pelas redes sociais que você desistiu do BBB. Nós não nos conhecemos, eu não sabia quem era você até o início desta edição do reality show. Mas eu chorei muito. Chorei como todas as vezes que algo maior do que sou capaz de controlar me impediu de realizar um sonho.
Aqui fora estão dizendo que talvez você tenha um transtorno de ansiedade ou depressão. Eu não sei se é verdade e se foi isso que fez você desistir de concorrer a R$ 1,5 milhão.
Talvez tenham sido as acusações, o abuso psicológico, a rejeição e o isolamento que você passou nos últimos dias.
Mas saiba que você não está sozinho e muitas pessoas se reconheceram em você hoje. Pessoas que lutaram com todas as suas forças, mas desistiram. Eu sou uma delas.
Tenho 38 anos e tive minha primeira crise de pânico aos 15. Eu nunca tinha ouvido falar desse transtorno na vida.
Meu sofrimento começou na década de 1990, quando o acesso à informação não era tão fácil.
Eu passei um verão todo trancada dentro de casa com medo de sair. Achava que ia passar mal, que ia desmaiar na rua e não teria ninguém para me ajudar.
Minha família não entendia o que eu tinha, por isso não pôde me ajudar. Fui levada a um médico clínico-geral que também não soube diagnosticar o que eu tinha.
Só consegui sair de casa quando as aulas começaram. Eu ia para o colégio tremendo e suando frio nas mãos. Na verdade, essa foi minha salvação, embora não tenha sido a forma mais correta (se é que existe uma forma correta) de enfrentar o pânico.
Eu conseguia ir para a escola –porque era minha obrigação–, mas não conseguia fazer mais nada. Não conseguia sair com minhas amigas, namorar, me divertir.
Só descobri o que eu tinha depois de meses sofrendo calada. Um dia estava no ponto de ônibus, em frente a uma banca de jornal, e li na capa de uma revista sobre saúde: síndrome do pânico.
Pânico. Era essa a palavra que traduzia o que eu vinha sentindo havia tanto tempo e não sabia o que era. Eu estava constantemente em pânico e nem imaginava que isso era uma doença.
Procurei sozinha uma psicóloga, porque não me sentia à vontade para falar sobre isso com meus pais. No consultório, expliquei todos os meus medos, meu coração acelerado, a garganta seca, as mãos suando frio, o tempo que cada crise durava. Sim, eu tinha transtorno de ansiedade e crises de pânico, a psicóloga disse.
Mas, como boa parte dos adolescentes, não segui a terapia direitinho. Eu faltava porque não estava a fim de conversar, sumia e ficava meses sem aparecer. Achava que a psicóloga que não era boa. Mudei de psicóloga…
Reconhecer que eu tinha um transtorno, saber lidar com ele e buscar o tratamento adequado foi uma batalha que durou mais de uma década.
Durante esse tempo, desisti de fazer um intercâmbio em Londres (que era meu sonho desde muito novinha), desisti de viajar quando já estava dentro do avião (sim, com a viagem já paga), desisti de ir a festas que eu queria muito ir, perdi muitas amigas que não entendiam o que eu tinha, porque eu combinava as coisas e depois as deixava na mão.
Na verdade, só comecei a levar o tratamento a sério depois que ganhei uma viagem com tudo pago e desisti antes mesmo de chegar ao aeroporto. Nessa época, eu já tinha mais de 30 anos.
Tudo o que perdi para o pânico tem reflexos na minha vida até hoje.
Quando se enfrenta um transtorno mental, tudo o que a gente pensa é em desistir. Tudo o que a gente quer é que essa dor e essa angústia passem logo. E assim a gente vai desistindo de uma festa, de um curso, de uma viagem, da vida.
Lucas, vou te contar o melhor clichê que se aplica aos transtornos mentais (se é que foi isso mesmo que fez você deixar o BBB neste domingo): perder uma batalha não é perder a guerra. Você não está sozinho. Converse com as pessoas que você sabe que te amam de verdade, busque ajuda de um profissional de saúde mental, levanta a cabeça e siga adiante. Força! Você tem uma vida inteira pela frente.